Hasta siempre, Lucho!
É sempre difícil quando um escritor de quem gostamos bastante nos deixa. Parece que, por momentos, ficamos amarrados ao modo como a sua obra nos marcou e influenciou enquanto leitores, e aos bons momentos que passámos com os seus livros. É provável que, para além das aventuras das suas histórias, tenhamos também tido aventuras ao ler as mesmas. Cada livro com uma aventura pode passar a ser também uma aventura nossa no nosso leque literário. A partida de um escritor que nos influencia de tal modo e que consegue ser uma pessoa também ela afável, como as suas obras também o são, torna-se num momento particularmente intenso. Com a triste notícia da partida de Luis Sepúlveda, um escritor que, embora de nacionalidade chilena, tinha ligação tão forte a Portugal e aos portugueses, que parece que o adeus se torna mais difícil e essa intensidade mais duradoura do que o normal.
Luis Sepúlveda teve um grande impacto na minha vida enquanto leitor. Para além da sua história de vida, nomeadamente o facto de ter sido preso após o golpe de Augusto Pinochet contra Salvador Allende em 1973, e de ter vivido em diversos países do mundo, sempre fiel aos seus ideais políticos e humanísticos, conseguiu ter uma influência muito maior do que todo esse seu currículo de lutas e de aventuras. Foi com ele que fiz a transição da literatura juvenil, que lia na altura, para uma literatura mais madura. O facto de ser orgulhosamente chileno, abriu-me a porta para explorar outros autores sul americanos como Gabriel García Márquez, Pablo Neruda ou Eduardo Galeano, que continuo a explorar ainda hoje. Através das suas obras pequenas mas com um conteúdo gigante, sempre com um lado doce e bastante pertinente, foi com Luis Sepúlveda que consegui partir para um mundo onde encontraria outros tantos gigantes literários.
Quando a Amazónia esteve, no ano passado, a ser alvo de incêndios nunca antes vistos, muitos deveriam começar por ler a sua obra mais célebre, O Velho Que Lia Romances de Amor. Para além de decorrer na Amazónia e contar a história de um velho, António José Bolivar Proaño de seu nome, que vai parar à floresta onde defende os indígenas das falsas acusações que lhes são feitas, a obra é dedicada a Chico Mendes, protector da floresta e defensor das populações indígenas, que fora barbaramente assassinado por um fazendeiro. Esta terá sido a obra que eternizou Luis Sepúlveda no universo literário, mas não fica por aqui. Poderíamos acrescentar ainda História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar de carácter mais juvenil, mas também ela deliciosa, que fala da aventura do gato Zorbas que toma conta de um ovo de uma gaivota atingida pelo crude derramado em alto mar, sendo também uma obra que sensibiliza as questões ambientais. E a estas poderíamos juntar as suas crónicas e as suas aventuras deliciosas que encontramos em Patagónia Express ou Uma História Suja e ainda outras histórias de bandidos com algum sarcasmo e humor por detrás como Nome de Toureiro ou Diário de um Killer Sentimental. Poder-se-ia adicionar ainda outras tantas obras suas como As Rosas de Atacama, Encontro de Amor num País em Guerra, A Lâmpada de Aladino, todas elas sempre fiéis ao seu estilo enquanto escritor.
Hoje lembro-me das lágrimas, das gargalhadas e da ânsia de chegar a hora de deitar para ler mais umas páginas de um livro do Luis Sepúlveda que tinha sempre à mesa de cabeceira. Lembro-me do que era andar com um livro do Luís Sepúlveda quando nenhum dos meus colegas de turma sabia da sua existência, mas que passaram a saber e a gostar também. Lembro-me também dos energúmenos que o acusaram de ter sido o grande responsável pela entrada da Covid-19 em Portugal, quando o escritor esteve no Correntes d’Escritas na Póvoa de Varzim em Fevereiro deste ano. Hoje toda a gente já sabe que o Correntes d’Escritas afinal existe assim como já sabem que o Luis Sepúlveda é um escritor que continuará a ser lido apesar da sua partida. Hoje todos fazem posts com R.I.P. aqueles que nunca leram nada do Luis Sepúlveda, nem sabiam da sua existência não fosse a actual pandemia.
Hoje apetece-me ganhar asas como asas da gaivota Ditosa, e partir para bem longe de toda uma hipocrisia quando estamos perante uma crise humanitária que há muito não se via. Porém, tal como António José Bolivar Proaño enfrentou com calma e também com uma enorme coragem a onça responsável pelos ataques vingativos na sua aventura na Amazónia, há que enfrentar os nossos medos sempre que eles surgem. Neste momento há também no mundo uma onça à solta, e nem todos podemos enfrentá-la de qualquer maneira. Luis Sepúlveda foi uma das vítimas que enfrentou sem medos até ao último essa mesma onça, apesar de ter sido infelizmente vencido. Esta história não teve o melhor final para o escritor, mas certamente terá um final belo como as suas obras no que toca a todos nós. Por isto, e por muito mais, um obrigado será sempre pouco para agradecer os bons momentos que passámos ao ler as obras e as aventuras de Luis Sepúlveda.
Hasta siempre, Lucho!