O vermelho dos cravos
No tempo dos nossos avós, Portugal não era o país que é hoje. O país era escuro, mergulhado em leis e obediências ditadas por quem de direito. Por quem, desde 1933, tinha decidido dar um Estado Novo sem questionar a vontade do povo.
Desde 1928 nos quadros governativos, inicialmente como Ministro das Finanças, e subindo a sua reputação com mestria pelos corredores da ditadura militar, António de Oliveira Salazar conseguiu estatuto tal que só em 1968 saiu de funções, num fim ditado por uma cadeira que com ele tombou no chão.
Durante grande parte do século XX, houve um lápis azul que censurou muito boa gente. Notícias reais viram-se forçadas a relatar uma realidade alternativa. A rua tinha olhos que detetavam tudo aquilo que era contra o regime. Perseguições, prisões, e um sítio lá bem longe, no Tarrafal, para onde quem não se moldava no espírito salazarista era por vezes enviado.
A cultura fez o que pôde. Cantou, escreveu, pintou. Procurou por todos os meios contestar o regime que muitos nem sabiam existir. A certa altura, em 1958, um General Sem Medo deu esperança a um Portugal cansado. Humberto Delgado iniciou a esperança, foi derrotado de forma ultrajante para qualquer democracia, e foi morto por se ter atrevido a fazer frente a Salazar. Para a História fica a sua resposta, quando lhe perguntaram o que faria a António de Oliveira Salazar se fosse eleito: ‘’Obviamente demito-o’’.
Houve também a guerra. Em 1961, quando vários países da Europa iam entregando a independência às suas colónias, Salazar considerou que os territórios na posse de Portugal eram províncias ultramarinas, e como tal, pertencentes ao país. Ordenou a plenos pulmões: ‘’Para Angola e em força’’. E a maioria dos jovens foi. Não só para Angola, como também para Moçambique e para a Guiné.
Após a saída de Salazar como Presidente do Conselho de Ministros entrou, em 1968, Marcello Caetano para o cargo. Tentou uma ‘’Primavera Marcelista’’, mas viu-se criticado por conservadores e liberais. Nas colónias, pensou num processo de autonomia, que viu também ser recusado pelos integracionistas, que em plena Assembleia o acusaram de ser um traidor da pátria. Decidiu voltar a ter uma postura autoritária, mas o regime estava gasto. O caso mais gritante prendia-se com a guerra colonial, que António de Spínola já tinha alertado no seu livro Portugal e o Futuro. Não havia outra solução sem ser a independência das colónias portuguesas, e esse seria um dos fatores decisivos para o que viria a acontecer.
A 24 de Abril, tocou durante a noite E Depois do Adeus. No dia 25 de Abril, por volta da 00:20, foi a vez da Rádio Renascença emitir Grândola Vila Morena. Durante o dia, o Movimento das Forças Armadas chegou a Lisboa e o povo saiu à rua. O vermelho dos cravos foi presença no Terreiro do Paço. Salgueiro Maia, que muitas pessoas parecem esquecer, comandou as operações. Ao final da tarde, Marcello Caetano entregou o poder ao General António de Spínola e partiu para o Brasil. Portugal passou a ser de todos os portugueses. Os acontecimentos posteriores não seriam pacíficos, mas a 25 de Abril de 1975 realizar-se-iam as primeiras eleições livres para a Assembleia Constituinte. Na mesma data, mas um ano depois, ocorreriam as eleições legislativas, com vitória do Partido Socialista, tornando-se Mário Soares a primeira pessoa a ser eleita democraticamente em Portugal.
A revolução do 25 de Abril não foi uma vitória da esquerda ou da direita. Foi a vitória da Liberdade. Significou abertura do país, que anteriormente se queria ‘’orgulhosamente só’’, para o Mundo. A oportunidade de se poder viver sem um regime ditatorial que dita todos os passos da sociedade. Não deixemos que estes tempos voltem. Não queiramos repetir a História. Que haja apenas um 25 de Abril. Sempre.