O mercado dos segredos
Há um provérbio português antigo que reza assim: “A quem confiaste um segredo, fizeste-o senhor de ti.” Quando se confia um segredo a outrem, entra-se inevitavelmente num mercado clandestino cuja moeda de troca é a palavra proibida. Tanto o confessor como o confidente ficam unidos por uma linha indelével, que será quebrada caso o silêncio seja desrespeitado.
Há uma carga que se impõe de forma natural quando pensamos num segredo (não confundir com a privacidade, que só a cada um diz respeito) porque acarreta algo que, supostamente, não deveria ser dito. Quando pedimos segredo, estão muitas vezes implícitas outras pessoas ou algo que não pode de todo saber-se, por ser condenável, causar escândalo, ou defraudar de alguma forma a imagem do próprio ou de outro(s).
Recordo que, em 2006, um manual de auto-ajuda intitulado O Segredo (que, ao contrário do que é habitual na adaptação de histórias, começou por ser um documentário e só depois um livro), escrito pela australiana Rhonda Byrne, foi um sucesso em todo o mundo. Não li, e por isso não posso falar sobre o mesmo. Contudo, o que interessa é focarmo-nos no fenómeno que a palavra segredo operou nos milhares de compradores dos exemplares. Não deixa de ser curioso que nas palavras de marketing do dito livro seja logo levantado o véu do seu segredo: “O pensamento positivo pode criar resultados de mudança de vida, tais como o aumento da felicidade, saúde e riqueza.” Mas não contam tudo, claro; é preciso pagar, comprar o livro, para saber como se põe a máquina do pensamento positivo a funcionar. Segundo se consegue apreender, O Segredo é uma espécie de manual de regras para atingir o êxito pessoal. Confesso que sempre desprezei esta categoria de livros, e costumo perguntar por graça: se são livros de auto-ajuda, porque não ficam apenas na prateleira do autor, para que se ajude a si próprio?
Falo desta categoria de livros, e deste título em particular, para ilustrar que os segredos têm um preço. Valem sempre algo. Este tipo de livros vale-se disso, do poder de contar segredos em forma de receitas, e de tentar criar um elo íntimo com o leitor. Como se o livro fosse um amigo que o vai ajudar, mostrando-lhe que não está só no mundo. Porque também é essa a lógica de contar um segredo — não nos sentirmos tão sós (com aquilo).
Os segredos, sem qualquer dúvida, valem algo. E o valor não é fixo, muda consoante a importância do mesmo. Confessar uma parvoíce que só envergonha alguém medianamente, não tem o mesmo valor do que segredar um acto hediondo. No entanto. a moeda de troca é sempre a mesma — a confiança. Ter confiança é fundamental quando se deposita um segredo. E tem de ser recíproca. Uma troca de segredos entre amigos ou amantes não funciona como analogia ao confessionário em que os papéis de senhor e escravo são imutáveis e invioláveis. Estão definidos e pronto. Entre amigos, familiares ou amantes (penso que uma troca de segredos a sério dá-se entre estes laços afectivos; é raro alguém trocar segredos com desconhecidos, embora também aconteça), os papéis não são estanques. Quem conta um segredo pode sempre receber outro em troca. Aliás, é normalmente o que se espera. Quantos não ficaram defraudados por se terem apercebido de que aquele amigo a quem contaram os seus segredos, escolheu outra pessoa para contar em primeira mão algo que até à data se desconhecia? Ou quantos não romperam já uma amizade ou perderam um amor por terem sido contados a outrem os seus segredos? Concluindo, quantas relações faliram por ter havido desfalque nos valores?