Catarina Raminhos: “As minhas filhas acham curioso quando digo que escrevo livros mas não sou escritora”
Catarina Raminhos é também uma espécie de sinónimo incontestável de pessoa boa. É mesmo. E digo isto sem qualquer tipo de reservas, até porque já a conheci pessoalmente e confirmei que o bom pessoísmo é coisa que transborda para fora da Catarina, mesmo que ela tente evitar que assim seja.
Há uns meses convidei-a para vir partilhar parte da sua experiência de vida enquanto criadora de conteúdos e blogger com os meus alunos da ETIC e ela nem pestanejou. Aceitou de imediato e deu uma “aula” memorável.
Veio dos confins do mundo, onde fica a zona em que vive, para fazer uma viagem de 40 minutos de carro até Lisboa e partilhar um pouco da sua história com uma turma profissional de gente que nunca tinha visto na vida.
Pois se isto não é uma prova de bom pessoísmo, não sei o que é.
Assim, quando me lembrei de arrancar com esta aventura disse de imediato: “Martim, tens de convidar a Catarina!” E ela voltou a aceitar sem pestanejar. Por isso, sem mais demoras, vamos passar ao que te fez clicar neste artigo.
Como tem acontecido com todos os convidados desta rubrica, pedi à Catarina que me respondesse à questão: “Quem é a Catarina?”. Esta foi a resposta que me deu:
A Catarina é uma miúda com quase 40 anos que, para todos os efeitos, se vê sempre com 14. Cheia de sonhos e de caracóis no cabelo, mas com muita noção da realidade e das dificuldades que sempre se levantam no caminho – para que se possa ir aprendendo vida fora.
É uma lutadora, que não gosta de desistir. E uma chorona, que nunca dá parte fraca. Ahhh, e gosta das coisas simples da vida: de ler, de estar sossegada a olhar a paisagem, de ouvir as suas músicas e de ter tempo para fazer nada.
Posto isto e feitas as devidas apresentações, aqui fica a entrevista:
Quando é que sentiste que querias fazer da vida das palavras e da escrita?
Senti desde bem cedo, apesar de ter precisado de praticamente 30 anos para ter coragem de o fazer, de uma vez por todas.
Recordas-te da primeira vez que conseguiste provocar impacto em alguém com aquilo que escreveste?
Sim, foi na adolescência – ali a partir dos 14 anos – na troca de cartas e de recadinhos que fazia com duas amigas próximas. Desabafávamos muito e escrever era a nossa forma principal de comunicar. E comunicávamos muito bem deste modo. Sentia que me expressava melhor a escrever do que a falar (ainda acho!).
Há quanto tempo escreves profissionalmente?
Se contar com os tempos de jornalista, há 18 anos.
Como é que aparece o teu 1.º trabalho a sério?
A sério no sentido de ter sido paga para o fazer, foi um part-time num escritório de advogados, durante o tempo de faculdade, em que traduzia textos de inglês para português e vice-versa.
A sério no sentido de estar relacionado com a escrita, foi quando me tornei correspondente do Diário de Notícias para os concelhos da Grande Lisboa – tinha acabado a licenciatura em Jornalismo.
Quem foi a tua grande inspiração?
Em termos pessoais, o meu Tio Lio, irmão do meu pai, que sempre me incentivou a ler, a ouvir músicas e a ver filmes:
Em termos profissionais, a Leonor Figueiredo, jornalista do Diário de Notícias que me aturou e me ensinou (tanto!) durante o meu estágio não remunerado de 3 meses. Era uma miúda estudante de jornalismo.
Em termos artísticos, aqueles com cujas palavras eu cresci: Susanna Tamaro, Milan Kundera, Gabriel García Márquez e Carlos Ruiz Zafón.
Tiveste algum mentor? Alguém que possas dizer que é a pessoa responsável por hoje ser esta a tua vida?
Em medidas diferentes, todos os nomes que mencionei na resposta anterior.
Já tiveste vontade de parar de escrever e de mudar de vida?
Não, porque sinto que só agora comecei a escrever… estou na fase de enamoramento absoluto.
Se não fizesses isto da vida, o que é que estarias a fazer hoje?
Provavelmente estaria a trabalhar em televisão, sempre nos bastidores, a trabalhar conteúdos.
Qual foi o teu melhor trabalho até hoje? Aquele de que mais te orgulhas.
Ter sido directora de conteúdos da Warner Bros Portugal.
Tens vergonha de alguma coisa que escreveste?
Vergonha não, mas rio-me muito quando pego nos meus diários de miúda…
O que é que gostas mais de escrever? Que formatos é que te deixam mais confortável?
A escrita de não-ficção. Fascina-me muito mais a realidade do que qualquer outro género. Tenho perfeita noção de que não conseguiria escrever poesia ou um romance, por exemplo.
Por onde é que começas? Texto ou título?
Começo quase quase sempre pelo título. Depois escrevo o texto e altero o título no final.
Alguma vez fizeste formação para saber/aprender a escrever melhor?
Fiz o workshop de escrita criativa, o de escrita para crianças e o de escrita “do eu”, todos na Escrever, Escrever.
No dia-a-dia, como é que escreves? Tens alguma rotina, ou escreves quando calha?
Numa semana tradicional de trabalho, tenho uma rotina apertada. Depois de ir levar as crianças à escola, sento-me ao computador e escrevo até à hora de almoço. Apesar de trabalhar em casa, faço uma hora de intervalo para almoçar e aproveito para ver um episódio de uma série qualquer. Depois retomo o trabalho até às 16h, hora em que começo a adiantar o jantar e me preparo para ir buscar as três e dar início ao meu segundo part-time do dia: dar banhos, jantar e deitar três crianças.
Lidas bem com prazos ou preferes escrever sem pressão?
Fico ansiosa com os prazos, mas preciso deles para criar. Se me derem três meses para escrever um livro, eu vou produzir a sério no último mês. No meu caso, o stress é aliado da criatividade.
Como é que reages às críticas?
Se forem construtivas reajo bem, mesmo que sejam negativas.
Acreditas que és boa naquilo que fazes?
Gostava muito de acreditar. Mas ainda não…
Tens “bloqueios de escrita”? Se sim, como é que lidas com isso?
Tenho imensos. Procuro fazer outras coisas e depois voltar ao texto. Às vezes pego num livro – novo ou que já li – para me levar para outros cenários…
Quem são os teus autores de referência?
A Susanna Tamaro, por ter sido das primeiras coisas que li depois dos Clubes das Chaves e da saga “Uma Aventura”; Alice Vieira; Luís Sepulveda, Milan Kundera, Julian Barnes, Bruce Chatwin, Gabriel García Márquez e Carlos Ruiz Zafón.
Há algum livro de outra pessoa que gostavas de ter sido tu a escrever?
“A Sombra do Vento”, de Carlos Ruiz Záfon.
O que é que as tuas filhas dizem daquilo que fazes?
Elas gostam de fazer perguntas acerca do meu trabalho.
Só conhecem o livro infantil “Minore e a Magia das Cores” e gostam muito da história. Acham curioso quando digo que escrevo livros mas não sou escritora…
Acompanha o blog da Catarina, aqui mesmo.
Entrevista de Martim Mariano, originalmente publicada em O Que Dizes Tu?, tendo sido aqui divulgada com a devida autorização.