A distopia (também) no Ensino Superior
Em tempos de crise, a tutela tem uma relação paradoxal com o Ensino Superior. Por um lado, congratula-se o papel que este assume no progresso científico, central para a edificação de um país capaz de combater uma pandemia mundial; por outro, ignora os sintomas do abandono escolar.
Quinta-feira, por todo o país, assistimos a uma ação simbólica da “Quarentena Académica” que teve o intuito de, silenciosamente, chamar a atenção para centenas de queixas que os estudantes do ensino secundário e superior remetem todos os dias à plataforma. De facto, afirmar que 2020 é o pico do período de maior incerteza que a nossa geração já viveu é um eufemismo. A pandemia da Covid-19 trouxe consigo adversidades impensáveis, mas também se limitou a acender o holofote da iniquidade no ensino, reacordada pelos desafios inevitáveis do distanciamento físico e a consequente quebra nos rendimentos das famílias portuguesas.
O combate ao abandono escolar faz-se preventivamente. No caso, não há melhor barómetro que as denúncias enviadas à “Quarentena Académica”. Nas licenciaturas multiplicaram-se as queixas sobre a adaptação aos métodos de ensino, a insuficiência de mecanismos que garantam a qualidade das aulas e das avaliações online, a sobrecarga de trabalho e o burnout académico. Dos colegas de mestrado e doutoramento, atualmente a desenvolver as suas teses, chegam-nos as dúvidas sobre as extensões dos prazos de entrega sem custos adicionais. Sem comprometer a autonomia das Instituições, este período de incerteza é pautado pela sequidão das linhas orientadoras do Ministério tanto às reitorias como aos seus estudantes. Das dificuldades específicas às transversais – falta de condições financeiras para pagar as propinas e problemas graves de alojamento estudantil – assistimos, num semestre, ao exponencial aumento de distúrbios de saúde mental que influenciam naturalmente o sucesso escolar. Perante esta realidade, temos de nos perguntar o que será do próximo ano letivo.
No meio de uma pandemia mundial, em luta constante pela garantia dos mais básicos direitos humanos e liberdades individuais, é fácil renegar o ensino superior para segundo plano. No entanto, já conhecemos as consequências nefastas de um país que deixa de apostar na incubadora do seu progresso. Do congelamento da matrícula à elitização do Ensino Superior o caminho é curto e a sua reversão provada quase impossível. Na quinta-feira, foi respondido à “Quarentena Académica” que endereçasse os seus problemas por e-mail. Esse e-mail, previamente enviado, continua sem resposta nem aviso de receção. Numa altura distópica em que se não consultarmos o nosso e-mail diariamente corremos o risco de reprovar sem conhecimento, não pode o Senhor Ministro escudar-se numa “caixa de entrada” para evitar dar respostas concretas. Consulte o seu e-mail, Senhor Ministro, o tempo da prevenção está a terminar.
Crónica de Mariana Rodrigues
Aluna na Universidade de Coimbra e Fundadora da “Quarentena Académica”.