O racismo no futebol está vivo, mas não se recomenda
No passado dia 29 de junho, Nanu, jogador do Marítimo, esteve em destaque na vitória da equipa insular frente ao Benfica. Na sequência da exibição destacada do jogador guineense de 26 anos, o mesmo foi entrevistado para o canal 11, que pertence à Federação Portuguesa de Futebol. No seguimento da entrevista conduzida pelo diretor do canal, Pedro Sousa, o mesmo questionou o jogador da formação madeirense, em tom humorístico, onde é que ele tinha aprendido a correr tão rápido, se a fugir da polícia. Esta gracinha falhada, fundamentada em estereótipos racistas e discriminatórios, completamente despropositados e dita por parte de um representante do maior órgão do futebol nacional, funciona como uma normalização do racismo, banalizando comentários já entoados pelos adeptos nos cafés e no estádio.
Já é comum, no panorama do futebol nacional, este tipo de situações por parte de diversas figuras públicas, desde comentadores desportivos a políticos que têm vindo a desvalorizar sistematicamente a existência de um racismo institucional. Ainda no decorrer da presente temporada desportiva, assistimos a um episódio de racismo por parte dos adeptos do Vitória Sport Clube, contra Moussa Marega que representa atualmente o Futebol Clube do Porto. O maliano abandonou o relvado em sinal de protesto contra o racismo, indignado e revoltado pela atitude dos adeptos do clube que representou na época de 2016/17. O caso foi levado para o conselho de disciplina da FPF e, no final de contas, o clube vimaranense foi multado por racismo no valor de 714 euros. Um valor insignificante quando falamos do futebol, um desporto de massas que move por dia milhões de euros.
Este não foi um caso único, muito menos uma exceção à regra. O racismo no futebol é algo que está enraizado e é abafado pelos promotores do dito “desporto rei”. E em 2017, também em Guimarães, o jovem jogador português, Nélson Semedo, que à época representava o Sport Lisboa e Benfica, sofreu por parte da bancada insultos racistas aos quais reagiu com indignação. O resultado disso foi uma advertência por parte do árbitro ao próprio. Apesar do atleta ter decidido não avançar com uma queixa formal, fica para a história mais um caso de racismo que a Liga e a Federação deixaram passar.
Em 2018, num jogo entre o FC Porto e o Sporting CP para as meias-finais da Taça da Liga, o jogador Fábio Coentrão, que atuava de verde e branco, foi filmando a proferir um insulto racista contra o colega de profissão, Moussa Marega. Na altura, o clube portuense acusou o atleta sportinguista de racismo, fundamentando a sua acusação com as gravações vídeo a pronunciar a frase discriminatória. Porém, mais uma vez, a Liga e a FPF ignoraram a situação, deixando passar impune mais uma atitude racista, desta vez por parte de um profissional durante uma partida oficial.
Não só em Portugal, mas por toda a Europa, o racismo no desporto tem-se alastrado e situações como as relatadas têm acontecido com demasiada frequência. A título de exemplo: esta época, na Ucrânia, o jogador brasileiro do Shakhtar Donetsk, Taison, depois de ser alvo de insultos racistas por parte dos adeptos presentes no estádio, respondeu com um gesto insultuoso num ato de desespero, acabando por ser expulso da partida e condenado a pagar uma multa de vinte mil e seiscentos e noventa e cinco dólares. O racismo também se mede quando as vítimas são sempre quem paga a fatura final.
Quando falamos do racismo no futebol, pensamos quase sempre nos casos mais mediáticos, como o do Marega, do Semedo ou do Balotelli. Todavia, ignoramos os escalões inferiores, onde o racismo é extremamente violento e sistemático. Estes jogadores procuraram na Europa melhores condições de vida e vivem em condições precárias com salários insignificantes quando comparados ao “mundo dos grandes”. Estes atletas têm como seu maior adversário, todos os jogos, a bancada e as injurias proclamadas pelas gentes sem noção e respeito pelo outro. As associações distritais e a FPF não protegem os mais vulneráveis, não combatem o racismo, apenas o ignoram.
O racismo no futebol está vivo e é uma ferida aberta no desporto, tanto nacional como internacional. E quando assistimos a um representante da FPF a banalizar a luta dos muitos que todos os dias sofrem da discriminação racial, estamos em fora de jogo na luta contra o racismo. Quando o maior órgão do futebol português valoriza mais picardias entre dirigentes de clubes que insultos racistas contra os atletas, estamos a conceder um penalti ao racismo e a incentivar o retrocesso nas conquistas no campo da Igualdade e dos Direitos Humanos.
Não é suficiente fazer campanhas de sensibilização enquanto não existir um regulamento que puna severamente a discriminação racial. Continuar a secundarizar o combate ao racismo no futebol é compactuar com as desigualdades e ignorar a justiça social. A Liga e a FPF provaram mais uma vez que o lucro e o capital são mais importantes que qualquer luta e qualquer ser humano. Tal como no comentário infeliz de Pedro Sousa não se apaga com o pedido de desculpas, no mundo do Futebol também não se combate o Racismo se andarmos atrás do prejuízo.
Crónica de António Soares
O António é estudante universitário e activista estudantil.