Entrevista. David Bruno: “Teria muito orgulho em ser considerado um artista popular português”
David Bruno é um dos artistas-sensação dos últimos anos em Portugal. Depois de fazer parte do badalado e urbano Conjunto Corona, o projeto lírico e retrospetivo de quem recorda a portugalidade como poucos nasceu no Último Tango em Mafamude, lançado em 2018. Daí em diante, Miramar Confidencial (2019) consolidou a veia arqueológica e memorialista de um cantor que se fez e se faz artista, contando estórias muito suas, com uma curadoria bem personalizada. Como contador de estórias, tornou-se um autêntico trovador moderno, contemporâneo, capaz das cantigas de amigo, de amor e de escárnio e maldizer com fragrâncias que abraçam a portugalidade de hoje.
É essa curadoria personalizada que dá à luz Raiashopping, o terceiro disco do músico de Vila Nova de Gaia. Pela primeira vez, deixa de parte o amplo concelho de Gaia e parte para as suas raízes, para a região da Raia, nomeadamente para Figueira de Castelo Rodrigo e redondezas. Porém, e como nos contou, a sua residência sempre foi pelo Porto, apesar de se manter ligado pelos seus avós a essa zona. São essas memórias e essas estórias das quais falamos, em entrevista, para além de sugestões gastronómicas no Carpa, dos hits do Hélder Rei do Kuduro e do nome dos gatos, Fernando e Bidé (com nomes de gente, porque ele, se fosse gato, não queria ser chamado “bolinhas”) – isto em off-record. Como recinto, o Jardim da Rua do Capitão Leitão, no coração do Candal, Vila Nova de Gaia; ilustre pela proximidade à creche que David Bruno frequentou quando criança, a das Camélias, e pelo palco alusivo ao encenador Francisco Silva, figura de proa na história recreativa do local Sporting Clube Candalense.
Para começar, gostávamos de saber mais sobre como isto começou e como é que começaste a entrar neste mundo da música.
Eu sempre gostei muito de música porque o meu pai era um colecionador muito grande de música. Ele cresceu em Moçambique, a minha aldeia e a minha família é toda de pessoas que são de lá, de pessoas emigrantes. Ali, no distrito da Guarda, é muito assim. Quando veio de lá, o meu pai trouxe uma coleção enorme de música, como ex-guarda, e eu ouvi muita música com ele. Os miúdos, quando são pequenitos, fazem muito aquilo que os pais fazem e eu ouvia e, depois mais tarde, até por causa do hip-hop, ouvia muitas músicas. Ouvia os samples e conhecia os originais, e gostava muito daquilo, da cena do sample. Ainda hoje é o que gosto mais em tudo, é o sample. Foi por isso que comecei a instalar aqueles primeiros programas, tipo o Hip-Hop DJ e aquelas coisas todas, para tentar conseguir fazer a mesma coisa, há muitos anos atrás. E depois também tive sempre gosto e fui fazendo até para aí 2012, quando lancei o meu primeiro EP de instrumentais, que tinha a cara do Chewbacca, e depois mostrei ao PZ e ele fez a música “Cara de Chewbacca” com os instrumentais que vieram daí. Foi por isso principalmente, por influência de ouvir muita música por causa do meu pai.
Em 4400 OG, mais lo-fi e à base de samples, ainda na herança dos Conjunto Corona, mostravas um lado mais leal ao hip-hop; como foi a transformação para algo bem diferente e como é que chegou o fenómeno do David Bruno?
Eu não sou leal a nada em termos de música, não sigo nenhuma estética. Eu faço as músicas que alimentem as estórias que eu quero contar e samplo. Não há limites mas começou com a cena de contar estórias. Os meus álbuns todos têm esse sentido, menos o primeiro (4400 O.G.). No primeiro em que comecei a fazer isso, achei que era a forma mais fácil de me inspirar, contar uma estória. O 4400 O.G. foi tipo Gaia, as estórias de Gaia, notícias, etc. O Conjunto Corona é a estória de uma personagem que poderia existir, um daqueles queimados da Baixa do Porto, e do que ia na sua cabeça, cada álbum conta uma estória diferente da sua vida e a música alimenta isso. Fui fazendo mas dentro deste universo que eu faço sempre, que é kitsch português, e ainda há muitos outros personagens e estilos por estudar. Corona seria o kitsch gangster, mas ainda faltava o kitsch romântico, que eu não conseguia fazer em Corona, porque é outro estilo. Assim surgiu a ideia de fazer um álbum que explore também este lado kitsch tuga foleiro, e se calhar é o menos personagem de todos, porque é muito puro e conta estórias. É o mais parecido comigo próprio, com o que eu sou, surgiu por isso. É a necessidade de contar uma estória.
Ainda nesta tua construção, onde é que começou a colaboração com o Marquito (Marco Duarte) e com o António Bandeiras (Renato Cruz Santos)?
O Marquito conheci depois de um concerto do Corona no gnration, em Braga, que ele tocou com a banda dele, que era a Leviatã. Ele tocou antes de nós e eu gostei muito, e na altura, estava a fazer O Último Tango em Mafamude e convidei-o, disse-lhe no final do concerto “tu a tocar guitarra fazes-me lembrar o guitarrista do Marante, e queria que fizesses isso”. E ele até me podia ter mandado dar uma volta, mas achou piada ao desafio, começou desde aí e nunca mais parou. O António Bandeiras conheci porque ele é fotógrafo, trabalha com a Lovers [& Lollypops]. Foi por causa do Suave Geração, festas que se organizam e ele faz parte do pessoal que organiza, conheci-o lá. Como ele é um excelente fotógrafo, comecei por convidá-lo só para tirar fotos. As fotos do Santa Rita Lifestyle dos Corona foi ele que tirou ao pé da Igreja de Santa Rita, e entretanto ele veio morar para o meu lado e começámo-nos a dar bem. Eu achava piada porque ele é se calhar o menos personagem de todas, o homem por trás. E nasceu assim, e enquadra-se bem até com a estória que eu conto nesse universo do David Bruno, portanto teve que entrar para o projeto, e só sai quando quiser.
Qual é que tu achas que é a força que eles trouxeram para o projeto?
O Marquito, ao vivo, faz o show, é o único que toca algum instrumento e toca muito bem, está cada vez melhor. Há-de chegar o dia que eu não estou a fazer nada, ele é que está lá a dar o show todo.
Deixa-me só que te faça um parênteses, porque aquele “ouuuuoh” do “Salamanca By Naite” é um toque, é um toque…
Nos formatos ao vivo, ainda há mais cantorias. Eu gravei muitas vozes. Aquelas são gravadas em auto-tune, cantadas normalmente, e depois gravei outras em auto-tune para os concertos ao vivo para ser ainda mais foleiro. Mas decidi que, no álbum não queria, porque queria que fosse cru. Uma cena que tivesse aquela estética de ouvir como têm os álbuns todos, e não quero que perca isso.
Portanto, o Marquito acrescenta, porque é o único que toca algum instrumento e dá um grande show. O António Bandeiras acrescenta a imagem que conta as estórias todas. Se queres associar a uma cara, é àquela, que conta bem essa estória.
Agora sobre o teu novo álbum, o Raiashopping. Tem semelhanças no nome ao teu EP Gaia Chopping. É daqui que parte a ideia ou há mais algum motivo para este título?
O disco é sobre a zona dos meus pais e dos meus avós, Figueira de Castelo Rodrigo, e a zona raiana perto de Vilar Formoso. A história centra-se em emigrantes e contrabandistas, é uma zona de contrabandistas. Há mesmo muitos lá, as pessoas viviam muito disso. E faz sentido, porque esse fenómeno das fronteiras, o que é que as pessoas fazem nas fronteiras ali naquela zona? Os portugueses vão ao lado de Espanha comprar coisas, os outros vêm ao lado de cá, é isso que faz a cultura que transforma ali aquela zona e tem a ver com o nome Gaia Chopping porque faz a ponte entre Gaia e Raia. É uma forma de ligar para o lado de lá, foi o primeiro que ocorreu.
Raiashopping é um discurso muito mais pessoal que os outros álbuns, tanto que reporta para as tuas origens, para a tua infância. Achas que a força da tua música está nesse sentido pessoal, na tua experiência que se mescla na perfeição com o imaginário de tantos de nós e das nossas vivências?
Claro que sim. Se vires o vídeoálbum está ali contada a história. São imagens de arquivo, imagens da RTP, mas também de pessoas, e grande parte são imagens de arquivo de VHS da minha família que fui buscar. Nas estórias que eu conto não há nada abstrato, são coisas simples. É fácil para mim ter inspiração e escrever assim, porque não ando a tentar inventar, ser um Nirvana, são estórias simples que aconteceram. É tudo baseado nisso, e é por isso que também facilita as pessoas identificarem-se: ouvindo aquelas músicas, vendo aquele full video, toda a gente consegue encontrar alguma coisa parecida que viveu, alguém parecido que conheceu, e somos todos portugueses e estamos todos aqui.
Chamaram-te antropólogo digital e adotaste esse nome (com muito carinho). Neste teu novo trabalho, onde é que mergulhaste para a recolha dos vídeos e do material que usaste?
Este deve ter sido o álbum mais rápido que fiz de todos. É curto, pequenino e fiz para aí em dois meses. Foi mesmo fácil, pensar fazer um disco sobre a zona dos meus pais, a zona onde passei tanto tempo, a explicar um bocadinho por que é que eu tenho uma relação muito forte com aquilo. Eu não vivi lá, fiz parte da primeira geração de pessoas que nasceu aqui no Porto, porque os meus pais vieram para aqui trabalhar, nós não tínhamos família nenhuma. E como eu estava aqui sozinho e os meus pais trabalhavam muito, sempre que havia férias, eu ia lá para cima para a aldeia. Sempre que eu não tinha escola, eu estava com os meus avós. Fosse com a minha bisavó e avós paternos na aldeia, fosse em França com os outros, que eles também estavam emigrados e, entretanto, voltaram.
Eu passei mesmo muito tempo lá e até muito tarde. Só para aí desde agora, desde que começou a música, é que eu deixei de ir lá, porque os fins-de-semana são para tocar e ainda trabalho, teve de ser. Mas eu passei mesmo muito tempo lá, organizei a festa da aldeia, fiz lá uma associação, tenho uma ligação muito forte. Eu tenho muito boa memória para estórias, para me lembrar de estórias, e são tudo estórias reais, são tudo factos e estórias que aconteceram, portanto foi tudo de cabeça. E desta vez também foi ainda mais fácil encontrar os elementos de vídeo que casem com aquilo, porque tinha os vídeos dos meus pais. Por isso acho que é muito genuíno, de todos eles (os álbuns) acho que é o mais puro.
Onde sentes que o Raiashopping se diferencia em relação aos teus dois discos anteriores, tanto a nível criativo como no sentido da tua evolução como músico?
Em termos de estética, eu diria que foi diferente dos outros por ter mais variedade. É o que tem mais músicas, se porque tem lá dois ou três temas que não são a brincar – “Flan Chino Mandarim” e “Café Central”, onde iam os meus avós -, que não são macacada, como os outros. E os outros só tinham macacada do início ao fim. Às vezes, podia ser assim um bocadinho mais disfarçada, mas neste estou a falar da minha infância, tinha coisas a sério para contar. Isso tem o que os outros não têm. E tem na mesma outras músicas que são mais a brincar e coisas mais cómicas. É o que seguiu menos um estilo por eu ter escrito tudo antes de começar a fazer os instrumentais: vou fazer uma cena romântica, O Último Tango em Mafamude, inspirado n’ O Último Tango em Paris, vou procurar samples de cantores românticos e de bandas sonoras dos anos 70, fiz os instrumentais e escrevi. O Miramar Confidencial, Miami Vice, vou fazer este estilo e depois vou contar a história. Este foi ao contrário: tenho estas estórias para contar, agora vou fazer instrumentais que alimentem isto. Já estava tudo escrito. É mais à medida da história que os outros.
Para além dos discos que vens lançando, tens trabalhado noutros moldes, tanto em colaborações, nos Inéditos Vodafone, como é o caso da “Primeira Classe”, com Atalaia Airlines, como em spots publicitários com a tua cerveja, a David Brut. Têm-te enriquecido?
Têm porque até agora nunca tinha colaborado com ninguém. Mas primeiro é um bom sinal, porque se as pessoas me convidam é porque é sinal que reconhecem o meu trabalho e que gostavam de participar. Tenho todo o gosto em responder a toda a gente que me convida para participar, nem que seja “olha, não gosto muito, não me identifico, mas reconheço”. E depois sair da caixa, nunca tinha tocado com uma banda. Os Atalaia Airlines tocam muito bem, é muito fixe e ir a Lisboa e tocar com uma banda, conhecer outras pessoas, conhecer o aeródromo de Tires ou o restaurante Gambrinus, conhecer outras coisas que eu não reconheceria. E vou ter cada vez mais participações, estou a trabalhar em muitas – este disco não tem, porque não fazia sentido, embora até houvesse muitas que poderiam ter entrado, mas achei que não fazia sentido.
Eu estou a contar uma coisa muito pessoal, muito específica. O Marquito, levei-o lá para aí cinco vezes, passámos vários fins-de-semana num terreno que o meu avô tem no topo da serra, lá com um barracão, parece o El Chapo. Só no meio da Natureza e a passear lá, e ir aos cafés, andar nos sítios, para ele perceber o estilo da zona. Se calhar ele não sabe até que ponto isso o influenciou a tocar da forma como tocou, mas influenciou.
Como é que estas experiências contribuíram para te redescobrires nestes novos moldes?
Não é de nicho. Não sei explicar, mas não foi nada planeado. Não foi fazer um álbum desta maneira ou daquela maneira. Teve a ver com o tema, teve a ver também com a idade, também começo a ficar mais velho, é normal que mude. É uma evolução natural, o meu processo criativo é muito puro, porque é uma edição de artista completo e, sobretudo, sou eu que a faço sozinho, portanto, claro que as pessoas são influenciadas, mas não tenho nenhuma direção criativa, nem ninguém a dizer-me “devias fazer isto, devias fazer aquilo”. É natural, é a vida.
A tua indumentária é muito caraterística e adaptável àquilo a que cada disco se propõe trazer. Qual é a dimensão criativa e artística que achas que a imagem tem no teu trabalho?
Ajuda a dar mais credibilidade – neste caso, o oposto, “descredibilidade” à história. Ajuda a tudo, pormenores que ajudam a contar a história. Andar com fato-de-treino, andar com camisas de futebol, de facto, neste último álbum, se fores ver, a indumentária ajuda a contar a história. Por exemplo, no outro Miramar [Confidencial], estava sempre vestido de forma muito foleira, com mau gosto, mas com uma grande pomposidade, estar vestido muito bem. Neste tens uma outra roupa que se adequa, como é, por exemplo, a canção do “Salamanca By Nite”, em que vais sair à noite, estás foleiro, mas tens de te vestir bem. Mas tens as camisas de futebol e os calções de equipamentos de futebol e sei bem que, quando é para gravar os vídeos, eu faço não um dress code mas um moodboard. E, por exemplo, a roupa com que irias ao café se estivesses a passar férias em casa dos teus avós? A primeira roupa que vestiria eram uns calções quaisquer de futebol. A roupa que, se tivesses que ir à fonte buscar garrafões de água e estivessem quarenta graus? As roupas ajudam a contar a história.
Consideras-te um verdadeiro músico popular português ou ainda delegas essa honra aos teus mitos, aos teus grandes heróis, como o Toy ou o Marante, que vens venerando?
É muito do que é que consideras ser um músico popular. É um músico do povo? Quem me dera, então, ser um músico popular português. Esses artistas conseguem chegar a muita gente, estão a fazer algo – uns com mais talento, outros com menos talento – que realmente toca numa grande faixa dos portugueses. São verdadeiros portugueses, conseguem canalizar a cultura portuguesa para a sua música, e por isso é que atraem tantos. Há várias maneiras de fazer isso: o Conan Osiris não é um artista popular português? Se calhar é. Também chega a uma grande quantidade de pessoas, de uma forma diferente do Marante. O Pedro Mafama, também não é popular? É muito popular. Outro tipo de populismo. O Chico da Tina, do mais popular que pode haver. A música popular portuguesa é a música que o povo português gosta e que representa a cultura portuguesa? Durante muitos anos foi uma coisa, mas se calhar, daqui a alguns anos, vai ser outra. Se me considero um artista popular? Não sei, mas se fosse considerado um teria muito orgulho nisso.
Sentes que a tua carreira, daqui em diante, está disposta a criar um autêntico universo retrospetivo de uma portugalidade que não deve esquecer as suas raízes mais belas? Ou são outras as tuas ambições?
É só isso mesmo, nunca tive outras ambições para além disso. É, homenagear e relembrar a cultura portuguesa. Não é só em Portugal, mas em todos os países, com a globalização, estes pequenos aspetos, por vezes, e, sobretudo, os menos bons, os defeitos são os primeiros a eliminar. Por exemplo, a geração dos meus pais, que saiu do interior para a cidade, tipo, estas coisas todas que eu digo com orgulho, da Festa da Espuma, do portunhol, de ir a Espanha e falar mal espanhol, se calhar eles têm vergonha disso. Têm vergonha e andaram a vida toda para não ser assim. E os meus pais, às vezes até ficam tristes, porque encaram a minha música como um retrocesso, eles fugiram daquela realidade. Para quê? Para terem um carro elétrico, um apartamento, irem passar férias ao Algarve, terem uma vida desformatada do que é a portugalidade. E, como eles, muita gente. E uma coisa fixe que eu vejo nesta nova geração é que, de facto, as pessoas voltam um bocadinho atrás e valorizam isso. A minha música é só isso, é manter viva essa cultura portuguesa, popular, com o que de bom e de mau tem, porque os defeitos também caraterizam e ajudam a caraterizar.
Já pensaste fazer algum trabalho, ou uma música, sobre aqueles políticos populistas, tipo Avelino Ferreira Torres ou Valentim Loureiro?
Leio muito sobre isso. Já li o livro do Valentim Loureiro, “A Varinha Mágica do Valentim Loureiro”, que é do seu assessor [Nuno Nogueira Santos], que é o assessor de comunicação do Rui Moreira agora [actualmente chefe de gabinete]. No caso do Valentim, era a meter travão, agora no caso do Rui Moreira, pelo que percebo, é o oposto, é carregar no acelerador para ele dizer aquelas coisas mais polémicas. Leio muito sobre isso e tenho uma coisa muito engraçada a dizer, até a propósito deste disco. É que esta geração assim, esta vaga de políticos corruptos, grandes políticos corruptos, vieram do nada. Ganharam muito dinheiro e estão agora a ser presos, são todos transmontanos e da Beira Alta. O José Sócrates nasceu em Alijó e cresceu na Covilhã, o Isaltino Morais em Mirandela, o Armando Vara em Vinhais. Já desde a altura do Sócrates que eu ando a ver isso. O Duarte Lima é de Miranda do Douro, o Valentim Loureiro é de Viseu, o Dias Loureiro é de Aguiar da Beira, toda essa malta que veio do nada e ganhou muito dinheiro.
Em Figueira de Castelo Rodrigo, há uma história engraçada sobre essa parte: há lá uma série de vilas na fronteira que tiveram a bandeira de Portugal içada ao contrário durante cem anos quando [a fronteira] foi reconquistada e a independência dos Filipes. Porque quando foi reconquistada a Espanha [os populares] não queriam vir para Portugal e o principal conselheiro da Corte espanhola da altura foi a maior celebridade de Figueira de Castelo Rodrigo, o Cristóvão de Moura [morreu em 1613, mas chegou a vice-rei de Portugal, já como marquês de Castelo Rodrigo]. Naquela zona, o mais famoso não foi nenhum político corrupto, mas foi alguém que era o principal braço-direito dos espanhóis para dar cabo de Portugal.
Recitaste aqueles poemas inéditos num live no Instagram, na Páscoa. Apesar de grande parte deles ser, agora, parte do teu novo disco, também há outros que são muito diferentes entre si. De que forma é que pensas integrá-los no futuro, tendo em conta a tua forma de criar os discos, sempre orientados por um tema central.
Se calhar, são de outros álbuns que hão-de aparecer aí.
Já pensaste em pegar nos apanhados e fazer alguma coisa daquilo?
Eu já pensei em pegar nos apanhados, mas eu vou-te dizer o que é que eu não gosto dos apanhados. Muitos dão para utilizar, mas são lugares muito comuns, são muito pouco rebuscados. Os apanhados portugueses já foram transformados num fenómeno pop, já conheces e ris-te. Outra coisa é como em Corona, com o filme “Às Vezes Pára-me o Pensamento” [“Pára-me de Repente o Pensamento“], amanhã falarmos de delírios místicos, [“Delírios Místicos”], que pouca gente conhece. Ou estes vídeos do Raiashopping, o que é que queres ser quando fores grande. É mesmo puro, aquele senhor a fazer a reportagem ao puto, “o que é que queres ser?”, e ele a inventar. É um clássico, é como o meu pai nos anos 90 quando apareceram as câmaras baratas para o pessoal comprar, agarrava na câmara e não largava aquilo, era de manhã à noite. Esse senhor tinha um canal no Youtube e era de uma aldeia lá perto que se chama Remondes. A cena dele era só andar a filmar e a fazer de jornalista, e grande parte dos vídeos é perguntar às crianças o que é que elas querem ser quando forem grandes. Só que os putos não tinham resposta, então era ele que fazia a conversa toda. Ele está a fazer perguntas, está só a dizer coisas e o puto fica ali e pronto.
Tens ideias em reproduzir aqueles moves do “Momento 2” do Raiashopping?
É um clássico. Em todas as festas de verão encontras uma pessoa a dançar assim. Uma coisa desse velhote é fixe: ele começa a dançar com a mulher e depois agarra-se a uma nova, jeitosa, ele que podia ser meu avô. É uma boa ideia, se houver uma produção assim maior, com mais budget para tocar ao vivo, metemos uns dançarinos em cima do palco, mas tinham que ser seniores, velhotes, com mais de 65 anos a dançar em cima do palco, isso era muito bonito. Já aconteceu uma vez, com os Corona, quando foi o concerto da tournée Super Bock Super Rock, que houve no Pérola Negra. Fomos buscar a Dona Alice, que é a única funcionária lá da Casa de Alterne de Cimo de Vila e ela esteve durante o concerto a dançar assim com o homem do robe no palco, abraçados. Foi um grande momento. Mas ter um par deles era fixe, a dançar, é uma ideia.