A ilha das noivas raptadas
Parece uma narrativa cinematográfica, entre o suspense e o terror, ou até um mito ancestral da Grécia Antiga, como o que deu origem à fundação da Europa (raptada por Zeus), mas trata-se de uma situação real terrífica, que continua a existir, hoje, enquanto escrevo este texto.
Há uma ilha a leste de Bali, chamada Sumba, onde uma prática que violenta os direitos das mulheres tem sido secularmente perpetuada. O rapto das noivas, ou kawin tangkap, consiste no rapto de mulheres por membros da própria família ou por homens amigos da família, para que casem contra a sua vontade. Recentemente, dois desses raptos foram filmados e divulgados nas redes sociais. Um dos casos é o de Citra, nome fictício da mulher raptada que conseguiu enviar uma mensagem ao namorado e aos pais antes de chegar à casa-cativeiro em Sumba. A família que a sequestrou era constituída por parentes afastados do lado do seu pai. As mulheres raptadas ficam fechadas nessas casas e são sujeitas a rituais. Segundo os animistas crentes do Marapu (religião praticada em Sumba), têm de se mostrar alguns sacrifícios aos espíritos para manter o equilíbrio no mundo. Por isso, nos seis dias que se seguiram, Citra foi mantida como prisioneira na sala da casa, enquanto a sua família, com o apoio de grupos de direitos das mulheres, negociava a sua libertação com os anciãos da aldeia e com a família do noivo impingido.
Citra foi, felizmente, um dos casos bem-sucedidos de libertação; há muitos outros sem negociação. Nos dois casos registados em vídeo em junho, uma das mulheres permaneceu no casamento. Isto porque kawin tangkap, o rapto das noivas, pode ser também uma forma de casamento arranjado, em que as mulheres não podem negociar. Na maioria das vezes, as mulheres que conseguem sair são estigmatizadas, nunca mais serão aceites pela comunidade.
A boa notícia é que as autoridades da Indonésia prometeram, nos últimos dias, pôr fim à prática do rapto de noivas. Depois dos vídeos de mulheres raptadas terem provocado revolta generalizada nas redes sociais. Esperemos que se cumpra a promessa e que finalmente acabe o cenário paradoxal de terror numa ilha tão paradisíaca. No Ocidente, brincamos muitas vezes com o casamento poder tornar-se um inferno; neste caso, a expressão é literal.