Ai se são demasiados matem-se?
Parece um tanto ou quanto uma frase retirada de um complexo hitleriano ou digna de uma exacerbação do controlo populacional chinês que podia figurar num filme de ficção científica. Foi no dia 23 de Julho que a Associação Nacional de Médicos Veterinários dos Municípios (Anvetem) achou por bem proferir esta opinião como uma maravilhosa solução para a existência de sobrelotação de abrigos e canis e da proliferação de canis ilegais e sem condições.
Sim, já sei que agora vêm lá os do costume a dizer que se está a comparar o incomparável ao comparar o controlo da raça humana com o controlo de animais de companhia, algo incomparável porque não somos dois seres vivos a coexistir neste planeta que não é só nosso e não nos pertence (esperem, somos mesmo certo?). E depois vêm os outros do costume a dizer que não me devia preocupar tanto com animais de companhia porque ainda como carne (sim, estou a reduzir drasticamente a quantidade, mas ainda como) de outros animais que também o são. Também, se nem dos animais de companhia tivermos piedade como teremos dos restantes que colocamos no prato? Roma não se fez num dia e a maioria está ainda no início da corrida e ainda não percebeu que é para começar a correr. Por norma esses do costume são também os que gostam de touradas e que dizem que a tourada existe para proteger a existência do touro bravo. Uma epopeia romântica que devia ter sido explorada mais noutras ocasiões. Como é que na época em que ter um escravo era chique nenhuma comunidade branca que se lembrou que matar pessoas de etnia negra servia para proteger a sua existência e continuidade? Hitler também estava obviamente a proteger e dar a eternidade aos judeus!
Mas bem, deixemos os do costume e voltemos ao tema. Então a Associação Nacional de Médicos Veterinários dos Municípios defende que para acabar com canis ilegais como o de Santo Tirso e com a sobrelotação que temos nos canis portugueses é regressar à eutanásia de animais em centros de recolha oficiais quando não forem adotados em 12 ou 18 meses. Ou seja, os animais que não forem escolhidos para uma segunda vida de felicidade numa casa que de facto lhes dê amor não são dignos de viver e devem ser abatidos. Era uma boa estratégia para adotar no sistema da Segurança Social. Não temos dinheiro para pagar reformas à próxima geração? Então matamos os velhinhos! (a moça do cartaz que me perdoe). No entanto esta associação tem a dificuldade de esclarecer porque a maioria destes canis municipais impede visitas de voluntários ou que outras associações com mais capacidade fiquem com a guarda destes animais, algo que é prática recorrente no nosso país. Tem ainda dificuldade em esclarecer porque a ação corajosa do IRA que responde a situações de maus-tratos a animais que as nossas forças policiais não estão aptas a responder é vista como um braço armado de violência, mas sem dar soluções de resposta alternativa que não sejam entrar naqueles espaços e matar animais porque eles existem em demasia. Tem ainda a dificuldade de entender que uma campanha nacional de esterilização (não me venham com a conversa de que não há dinheiro para isso, porque dinheiro há, vontade é que nem tanto) resolveria este problema ou pelo menos seria parte fulcral de uma solução mais humana e menos genocida. O mais extraordinário ainda é ver entidades oficiais a visitar abrigos ilegais e dizer “este canil não tem as condições perfeitas, mas fiquem descansados que tem as essenciais e vão melhorar”. Sou só eu que vivo noutro planeta e fui abduzido e que acho que o maior problema de um abrigo ilegal é ele ser ilegal e não as condições que tem e que isso deveria ser motivo mais que suficiente para o seu encerramento imediato? Ou agora quando a ASAE visitar um restaurante ilegal não o fecha porque a comida “não sendo boa, reúne as condições essenciais para ser comida”?
Resumindo, é apenas mais uma associação que segue o estilo de ação da DGAV (cujo diretor se demitiu após o desastre de Santo Tirso, tamanho é o assumir de culpa que há que não esquecer). Muitos pareceres, muitas opiniões e principalmente continuar a olhar para os animais de companhia (sim, até esses!) como coisas de que dispomos a nosso belo prazer e cujo futuro está nas nossas mãos. Mas soluções práticas e humanas…. Continuemos à espera delas. E eu a pensar que a racionalidade da raça humana de que tanto falam permitiria ao ser humano ter empatia e humanidade suficiente para não achar que somos nós que decidimos que cães e gatos podem viver e como o podem fazer. Somos de racionalidade seletiva.
Crónica de Fernando Gil Teixeira
Licenciado em Direito que rapidamente se rendeu ao mundo da comunicação e do reino animal. Aos 24 anos é jornalista e técnico de comunicação ambiental