Não me digam para ser eu próprio
O ano de 2011 marcou o final da minha vida académica e, por conseguinte, o início da experiência laboral. Levava na mão um “canudo” que dizia que eu percebia de gestão e engenharia industrial. Isto na teoria. Pois a verdade é que, no auge da verdura dos meus 22 anos, eu não me sentia nem gestor, nem engenheiro de coisíssima nenhuma.
Naquele verão, não fiz eu outra coisa que não fosse disparar currículos para todas as multinacionais que se mexiam. Estava ansioso por arranjar trabalho e poder provar a mim mesmo que os estudos não tinham sido em vão. Sentia também medo de ficar para trás em relação aos meus ambiciosos e determinados colegas. Enfim, parvoíces.
Felizmente, algumas dezenas de candidaturas depois, comecei a ser chamado para as primeiras entrevistas. Aquelas convocatórias causavam em mim um misto de entusiasmo e pavor. Não fazia ideia do que vestir, o que dizer e muito menos quem ser. Queria agradar, ficar bem visto e conseguir finalmente encaixar-me no mercado de trabalho.
Antes de sair de casa, a minha mãe dizia-me sempre o mesmo: “Manel, só tens de ser tu próprio”. Aquelas palavras revestiam-me de coragem e motivação, mas só até chegar à porta do carro. Assim que entrava, olhando pelo retrovisor, via-me numa roupa que não era a minha e tampouco sabia fazer de mim mesmo. Ainda me faltava descobrir primeiro quem eu não era.
Apesar de certeiras, as expressões que começam por “só tens de” tendem a camuflar toda uma rede complexa de decisões. Em algum momento, provavelmente já todos dissemos isto a alguém: “só tens de ser feliz.” É verdade, é um facto, no entanto, caso a pessoa não saiba como ser feliz ou como ser ela própria, a frustração é ainda maior.
Assim que nascemos, todos somos presenteados com uma essência e originalidade únicas. Ninguém é igual a ninguém e isso é o que nos torna especiais e essenciais. Existe uma pureza e genuinidade que caracterizam os primeiros anos das nossas vidas. À medida que crescemos, vamos sendo expostos a vários condicionalismos inerentes ao ambiente que nos rodeia. Indefesos e inconscientes, absorvemos que nem esponjas o que nos dizem e o que vemos.
Somos o resultado do sítio onde vivemos, da educação que recebemos, das experiências que passamos e das expectativas que têm em relação a nós. Todas estas pesadas camadas foram-se amontoando por cima da nossa singularidade. Na maioria das vezes, acabamos a desempenhar um papel que nada tem a ver com quem realmente somos. Ao longo do tempo, vamos sentindo que existe um desfasamento enorme entre a identidade que criámos e a pessoa que deveríamos ser. Normalmente este fosso é sentido sob a forma de amargura, raiva, angústia, stress e frustração.
Confúcio acreditava que todos tínhamos duas vidas. A segunda começa mal descobrimos que apenas possuímos uma. Não querendo desfazer esta sábia afirmação, arrisco-me a dizer que a segunda também se inicia assim que tomamos consciência de quem não somos. É crucial o momento em que decidimos fazer inversão de marcha para resgatar a luz que deixámos lá atrás.
Não existe uma idade exata para este fenómeno ocorrer. Há quem nunca precise de o fazer, pois desde cedo manteve-se fiel à pessoa que era. Por medo ou ignorância, há também quem nunca venha a descobrir quem verdadeiramente é. Pouco importa. O importante é assumirmos que não existe volta a dar, muito menos atalhos imediatos. O caminho do autoconhecimento e da descoberta dos nossos recantos mais profundos é a única forma de nos despirmos de tudo o que não nos serve.
Se vieste assim ao mundo é porque o mundo precisa de ti assim. Orgânico, espontâneo e livre. É muito fácil e tentador ficar aquém de tudo o que podias ter sido. As armadilhas podem ser imprevisíveis e os obstáculos desafiantes. No entanto, nem tudo é mau. Pelo menos podes ter a certeza de que não há ninguém melhor do que tu… A fazer de ti mesmo.
Crónica de Manuel Clemente
Autor dos livros “Se Sentes, Não Hesites” e “Em Caso de Dúvida, Escolhe o que te faz Feliz”