Modernidade líquida
Fui convocado para fazer parte deste projeto que é a Comunidade Cultura e Arte (CCA) através desta pequena participação. Permitam-me que vagueie e reflita um pouco pelos caminhos sinuosos da nossa existência, tocando num ponto em concreto que é o da (crescente) não valorização das pequenas coisas, sendo o “pequeno” também uma questão meramente subjetiva.
Já sei que somos, cada vez mais, influenciados a descartar o que aparentemente não nos serve. Não podemos sair desta sociedade de consumo, mas podemos e temos de aprender a controlar o nosso desejo insaciável de consumo, e não estou só a falar do consumo material, mas também do relacional. O sociólogo e filósofo Zygmunt Bauman mostrou-nos a “modernidade líquida” através dos seus livros e é disso que vos quero escrever, da superficialidade e do descarte fácil.
Há uns meses comprei um vaso com hortelã para cuidar e fazer crescer na minha varanda grega. Hortelã porque uso bastante em sumos e porque o cheiro remete automaticamente para os dias da minha infância em casa da minha avó, onde havia muita. Esta planta transforma-se, para mim, numa máquina do tempo, trazendo a sensação de que ela (a minha avó) está perto de mim, através do olfato. Mas adiante… com o calor em pleno Agosto em Atenas, achei (erradamente) que a hortelã estaria melhor dentro de portas. Ora, sem receber qualquer tipo de aragem, começou a ganhar um fungo, uma espécie de camada de pó amarelo por cima das folhas. Falei com algumas pessoas, três ou quarto, sobre como eliminar fungos de plantas, e a resposta foi transversal e contundente: “compra uma nova”.
Claramente que isto não me satisfez, e foi precisamente esta insatisfação que me trouxe aqui. Não pela planta, que de facto até me era muito querida, mas pela resposta que me foi dada. Por que razão é que eu haveria de comprar uma nova e deitar esta fora? Desculpem, mas a facilidade e leveza com que isso me foi dito não me cairam bem. Não me rendo à facilidade do descarte consciente, em que consigo trocar tudo o que tenho por outras coisas parecidas só porque sim. Não percebemos que é neste jogo de cuidado e carinho pelo que é nosso, nesta construção de relações, na superação de momentos mais difíceis, que está a melhor parte da vida.
Nada terá valor, real valor, se à primeira adversidade decidirmos abandonar o que temos connosco, e isto levar-nos-á inevitavelmente à conclusão de que não precisamos de muito para nos sentirmos bem. Ao que parece, umas borrifadelas de água misturada com leite resolviam-me o problema, simples até. Não é? Acho que esta pode ser uma boa metáfora sobre a qual devemos refletir.
Crónica de Francisco Geraldes
O Francisco é um futebolista português que representa o Sporting CP.