É possível não gostar sem odiar?
Há cerca de duas semanas, fui a um restaurante que deixou muito a desejar. Não gostei mesmo nada da experiência! Agora espantem-se com a atitude que tomei. Sabem o que fiz para mostrar o meu desagrado? Algo bastante complexo e exigente: nunca mais lá voltei. Impressionante, não é? Claro que também podia passar por lá todos os dias a insultar o dono, mas será que isso iria ajudá-lo a melhorar? Não acredito.
Infelizmente muita da sabedoria popular vai-se perdendo com o tempo. E talvez um bom exemplo disso mesmo seja o “não gostas, não comes”. As redes sociais tornaram-se o palco de eleição onde o ódio, o preconceito e o bullying entram em cena diariamente. É fácil e grátis. Os famosos haters, entrincheirados no seu teclado, procuram sentir-se melhor disparando contra a auto-estima dos outros. E sabem porque isso não resulta? Porque se funcionasse já teriam parado de o fazer há muito tempo.
Aproveitando o exemplo do restaurante, vamos voltar à vida palpável. Na busca por felicidade, prazer e bem-estar, há quem procure passar tempo de qualidade com as pessoas que ama ou aprender o máximo possível para poder crescer e evoluir. Se, nesse aspecto, a internet pode também servir de facilitador, faz algum sentido irmos exactamente no sentido oposto? Provavelmente não.
Ninguém hesita em dizer que a vida é curta, e ainda assim há quem consiga encontrar tempo para odiar tudo o que mexe. Sejam vídeos no YouTube, fotografias no Instagram ou notícias no Facebook. A minha questão é apenas uma: porque não direcionam essa energia para aquilo que gostam? Os emojis para elogiar estão mesmo ao lado dos outros, não custa assim tanto e ainda fazem alguém feliz.
Parece que hoje em dia todos têm de ter uma opinião assertiva, vincada e inalterável. Como se essa fosse a derradeira validação de uma personalidade forte. Qualquer pessoa tem algo a dizer sobre qualquer coisa, mesmo que não tenha nada a ver com isso. Podem ir das questões ambientais ao facto da Maria ter decidido não ter filhos, são peritos em tecer julgamentos. Claro que é perfeitamente natural termos o nosso ponto de vista, ninguém diz o contrário. Deixa é de ser saudável a partir do momento em que queremos impor a nossa perspectiva, na tentativa de conquistar o espaço do outro. No local onde guardamos os segredos bem que podíamos guardar também algumas opiniões, não acham?
Aqui entra também o excesso na manifestação das preferências. Hoje em dia, ou se ama ou se odeia, ou se adora ou se detesta. O “gostar” e o “não gostar” perderam-se algures no vale do bom senso, onde outrora se podia dar a opinião sem ser linchado por isso. Os justiceiros das teclas policiam de forma impiedosa a liberdade de expressão, não dando grande margem para quem está à margem da sua forma de “pensar”. É este o legado que queremos deixar aos nossos filhos? Talvez não. Estamos a fazer alguma coisa para mudar o rumo? Nem por isso.
Circula também, de forma consensual, a opinião de que as crianças são más. Percebo o sentido, apesar de não acreditar que o sejam, mas que tenham sim atitudes que revelam lacunas na sua educação. A diferença é que antigamente uma “criança má” só o conseguia ser para vinte ou trinta colegas na escola. Hoje o recreio é bem maiorzinho e por isso vemos inúmeros adolescentes com milhares de seguidores. Como bem sabemos, este período das suas vidas desempenha um papel crucial na sua formação. Posto isto, será que uma criança de 13 anos está emocionalmente equipada para lidar com o hate? Tenho sérias dúvidas.
Como a maioria das pessoas, todos os dias assisto a algo com que não me identifico, seja no mundo material, seja no digital. Tento não me deixar levar pela tentação de criticar ou de reagir. Não só pelos outros, mas fundamentalmente por mim. Se me saltar a tampa cada vez que alguém faz um disparate no trânsito, isso não me vai fazer bem. Se invejar alguém por aparentemente estar melhor na vida do que eu, isso não me vai fazer bem. Se arrasar alguém na caixa de comentários, isso também não me vai fazer bem. Como tão bem dizia Buddha, odiar alguém é o mesmo que tomar um veneno e esperar que seja a outra pessoa a morrer.
Da mesma forma que não é por insultar um racista que ele vai deixar de o ser, também um hater já possui ódio que chegue. Portanto, em caso de dúvida, respondam com amor que acertam sempre.