A extrema-direita na Europa: crescimento e perigo
Há um fenómeno na Europa de partidos cujas características incluem o nacionalismo e o populismo que, apesar de ter estado sempre presente, tem assistido a um crescimento e a um aumento de apoio eleitoral.
Tal, causa crescente preocupação, especialmente desde as eleições de 2014, uma vez que estas significaram uma mudança dramática para a direita política. Ao reforçar estes resultados, as eleições de 2017 conduziram a relatos de uma ‘revolução populista’ e a um aumento da extrema-direita que continuava a tendência de 2014, do Brexit e da eleição de Donald Trump [1].
Assim, este contexto aumentou a atenção académica dada ao populismo e à extrema-direita.
Presença da extrema-direita na Europa
Apesar dos recentes eventos, o aumento do apoio a partidos de extrema-direita já era sentido nos anos 90, através, por exemplo, da interpretação da dissolução da União Soviética como uma vitória sobre o ‘comunismo’, do reforço do nacionalismo racial e do aumento da migração internacional [2]. De facto, estes partidos tiveram a capacidade de se adaptar às mudanças estruturais do pós-guerra, tanto que o seu apoio aumentou na mudança de milénio, conseguindo participar em eleições e até pertencer a governos [3, 4].
Como tal, em 2012 existiam sinais de movimentos e partidos políticos marcados pelo nacionalismo, anti-imigração e islamofobia, principalmente motivados pela crise económica de 2008 e pela crise dos refugiados [5]. Posteriormente, nas eleições de 2014 e 2017, os partidos populistas de direita competiram na maioria dos países e alguns até pelo poder, o que mostra o desafio que representam tanto para os sistemas políticos internos como europeus [1].
Existem atualmente na Europa vários movimentos de extrema-direita com assento parlamentar, seja a nível nacional como europeu, os quais têm aumentado significativamente [5, 7].
Crescimento da extrema-direita na Europa
Com a vitória do Brexit aclamada pelo Partido Independente do Reino Unido em 2016, a reabilitação da Frente Nacional, o advento de novos partidos e o seu crescente poder na Alemanha, Áustria, Países Baixos, Suécia, Hungria, Finlândia, Dinamarca, Grécia, França, Itália e Polónia, a extrema-direita e o populismo de direita têm crescido na Europa [5, 9]. Esta tendência de crescimento é evidente na participação e apoio de vários destes partidos a governos nacionais da Croácia, Estónia, Letónia, Países Baixos, Polónia, Sérvia, Eslováquia, Suíça, Bulgária, Dinamarca, Espanha e Noruega [4, 10].
Além disto, os partidos populistas e de extrema-direita aumentaram também a sua representação no Parlamento Europeu, sendo que agora 10% dos partidos e 13% dos assentos parlamentares pertencem a partidos de direita eurocéticos ou hostis [7]. Como tal, as eleições europeias representaram uma perda para a democracia e demostraram como a extrema-direita e o populismo se têm tornado normalizados e generalizados [11].
O que é a extrema-direita?
Para melhor entender o tópico, é preciso distinguir entre direta radical e extrema-direita, pois a primeira pretende uma reforma do sistema político e económico sem a eliminação da democracia, enquanto a última é explicitamente contra a democracia [10].
Focando na extrema-direita, apesar da multiplicidade de definições, estas têm três elementos em comum: o reconhecimento da desigualdade entre pessoas como parte da ordem natural, o nacionalismo como base para este reconhecimento, e o extremismo [10, 12]. Adicionalmente, as suas características centrais são o populismo e o nacionalismo [1].
O populismo defende que a política deve refletir a vontade do povo e insurge-se contra a elite por esta defender valores liberais de individualismo, internacionalismo e multiculturalismo, e, por isso, corromper a ordem natural [5, 10]. Apesar disto, o populismo procura distanciar-se do extremismo e da violência para ser entendido como ‘menos grave’, e, assim, se manter legal e atrair a simpatia dos cidadãos [6]. De facto, denotam-se paradoxos interessantes, pois alguns destes partidos dizem-se amigáveis para com a comunidade LGBT+ e feministas com o intuito de parecerem mais convencionais [5].
O nacionalismo promove a união e identidade de um país e a sua homogeneidade [1]. Segundo isto, o Estado é a unidade primária de organização humana, pelo que para se pertencer a uma nação tem de se aceitar os seus valores culturais [10].
Assim, a extrema-direita tem como objetivo salvaguardar a cultura de um país e mantê-lo etnicamente homogéneo, pelo que o ponto de divisão não é a religião, etnicidade ou raça per se, mas a necessidade destes de se adaptarem e integrarem na cultura dominante [5, 6]. Como tal, o nacionalismo quer reestabelecer a soberania nacional, recuperar o controlo ‘perdido’ para instituições supranacionais como a UE, e promover o que é nacional [13].
Contudo, importa distinguir estes partidos do fascismo, o qual pretende uma revolução que derrube a ordem liberal democrática. Apesar da partilha de várias características, como o extremismo, o populismo e o nacionalismo, só um pequeno número destes segue esta ideologia [5]. De facto, com a ampla aceitação na Europa do liberalismo democrático, os níveis de prosperidade que o capitalismo produziu, o imperialismo e o militarismo a serem descreditados e o nacionalismo revolucionário a ser associado com a guerra e destruição, o fascismo já não está presente na maioria da Europa [10]. Além disto, os partidos de extrema-direita têm-se distanciado do neonazismo, uma vez que as suas atitudes são dirigidas a Muçulmanos e não Judeus [6]. Alguns autores, como Mudde, chamam a isto ‘nativismo’, uma combinação de nacionalismo e xenofobia que leva a posições anti-imigração, anti-Europa e anti-Islão [4]. Estes distanciamentos beneficiam-lhes, pois tem-se verificado que lhes dá melhor probabilidade de sucesso [1].
Contudo, existem pontos de divisão entre partidos, tais como o grau de extremismo, a violência, a relação com o fascismo, a intervenção estatal na economia e a posição em assuntos sociais [1]. Apesar destas diferenças, todos têm o mesmo objetivo, embora com intensidades diferentes, nomeadamente a luta contra a integração europeia [7]. Para isso, eles competem primeiro em assuntos de dimensão sociocultural, como o crime, segurança, imigração e a UE, e só depois socioeconómicos [4].
Para tal, alimentam uma ideia de ‘nós’ contra ‘eles’, o que conduz à exclusão de grupos de indivíduos, normalmente por critérios culturais, religiosos ou étnicos [1, 5, 10]. Isto produz políticas anti-imigração que excluem imigrantes e minorias raciais e étnicas, as quais criam divisões entre grupos e atentam contra a democracia liberal. Tal tem sido verificado na preocupação destes partidos com a presença do Islão na Europa e no uso dos Muçulmanos para criar um ‘inimigo’ no qual as inseguranças são projetadas [1, 5, 10].
Fatores subjacentes à reemergência da extrema-direita
Existem diversos fatores subjacentes à reemergência da extrema-direita, como a globalização, o progresso tecnológico e a crise económica, sendo que estes têm
potenciais efeitos no aumento da insegurança económica e na degradação social. Por exemplo, a crise económica de 2008, e consequente aumento do desemprego, beneficiou o aumento do apoio da extrema-direita e a deterioração da confiança nas instituições nacionais [9, 14].
Assim, a vertente populista da extrema-direita exacerba sentimentos negativos e propõe soluções autoritárias [4, 5, 7, 14]. Como tal, aqueles frustrados com estes contextos acabam por apoiar partidos de extrema-direita, pois estes prometem a criação de uma sociedade melhor para os nacionais. Esta preferência pelo nacional leva à ideia de que o emprego, habitação e outros benefícios devem ser preservados para os nativos [10]. Assim, outra questão central para a ascensão da extrema-direita é a imigração, uma vez que as crises económicas e sociais levaram a um grande aumento da migração para países europeus [5, 9]. Estudos realizados em países europeus demonstram que tal está relacionado com o aumento do sucesso dos partidos de extrema-direita [5, 6, 10, 13, 14].
Isto deve-se a muitos cidadãos europeus considerarem o aumento da diversidade social, cultural e religiosa uma ameaça à segurança dos países, sendo isto aproveitado por estes partidos para aumentarem a sua popularidade [6, 9]. Além disto, os imigrantes são vistos pelos nacionais como competição em termos de trabalho e recursos públicos, o que exacerba as consequências negativas trazidas pelas crises económicas, e, assim, os sentimentos negativos de uma dada população aos imigrantes [15].
Então, os apoiantes destes partidos receiam que os imigrantes sejam uma ameaça não só para a economia do país, mas também para a homogeneidade cultural e tradição nacional. Por isso, para aqueles que mais sofreram com a crise económica, o grupo minoritário é o alvo mais fácil de culpabilizar pelos problemas sociais e económicos do país [6, 10, 13]. O sucesso destes partidos resulta igualmente de sentimentos negativos associados ao aumento da diversidade cultural num dado país [5, 9, 10, 13, 15].
No entanto, como visto, estes sentimentos negativos têm-se concentrado agora em imigrantes Muçulmanos, os quais são percecionados como uma ameaça e um
encargo financeiro ao país, sendo também negativamente associados a ilegalidade, crime, extremismo e radicalismo, tendo tal exacerbado discursos de islamofobia [5, 6, 9].
Deste modo, para os apoiantes dos partidos de extrema-direita, o racismo, xenofobia, discriminação e discursos de ódio direcionados a minorias estão muito associados aos tópicos da imigração e diversidade [9]. A presente pandemia, pelas suas consequências sociais e económicas, tem o potencial de exacerbar estes sentimentos [14].
Perigos da extrema-direita
A reemergência do fenómeno da extrema-direita tem alarmado a esfera social, política e académica de vários países, o que acarreta novos desafios, especialmente para os países que se querem distanciar da discriminação e exclusão e promover valores liberais e democráticos [1].
Assim, isto pode afetar o desenvolvimento das sociedades europeias, o qual é baseado na liberdade, modernização e multiculturalismo, podendo ainda ter implicações nas políticas de imigração, nomeadamente no que diz respeito à crise dos refugiados [15].
Deste modo, os indivíduos associados a estas políticas de extrema-direita devem ser tomados como uma ameaça séria à democracia e à atual ordem social e devem ser combatidos pelos diferentes países e instituições europeias. Principalmente devido à história de certos países europeus, como aqueles envolvidos no Holocausto, é especialmente importante que a extrema-direita seja eficazmente combatida [5, 7].
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Crónica escrita por Vânia Sampaio e Sara Afonso, recém-licenciadas em Criminologia pela Universidade do Porto, e a completar mestrado em Terrorismo, Crime Internacional e Segurança Global no Reino Unido