Curtas Vila do Conde 2020: sugestões de filmes da competição nacional
A edição de 2020 do Curtas Vila do Conde começa já este sábado. O 28º Festival Internacional de Cinema decorre entre 3 e 11 de outubro e, este ano, estende-se de Vila do Conde para Porto, Lisboa, Faro e on demand.
Num ano tão invulgar como 2020, o mundo está a passar por um colossal processo de adaptação. O universo dos festivais de cinema está a ser bastante afetado e são várias as diferenças entre as edições desde ano e as anteriores. O 28º Festival Internacional de Cinema de Vila do Conde estava agendado para julho (mês que na cidade é tipicamente o mês do Curtas) e foi adiado para outubro. Sendo uma das prioridades “assegurar o cumprimento de todas as condições de segurança, de acordo com as normas definidas pela DGS, de forma a possibilitar um encontro seguro na sala de cinema”, a organização teve de “encontrar novas e inovadoras formas para o festival” decorrer – este é um ano que vai ficar conhecido como o ano dos desafios e das alternativas, num verdadeiro jogo de estratégia contra a pandemia da covid-19.
Tendo consciência de que existe um “compromisso de divulgar o cinema português mesmo num contexto atribulado”, o foco do Curtas mantém-se na Competição Nacional. Assim, esta é a secção que vai ser levada a outros locais do país (algo semelhante ao programa de Extensões do Curtas, mas agora em simultâneo) e vai incluir – sempre que possível – os tão acarinhados momentos de convívio com os realizadores. Ao Teatro Municipal de Vila do Conde juntam-se, então, o Cinema Trindade (Porto, 5 a 9 de outubro), o Cinema Ideal (Lisboa, 7 a 11 de outubro) e o Auditório do Instituto Português dos Desporto e Juventude de Faro (6 a 10 de outubro).
A grande novidade desta 28ª edição está na possibilidade de participar na programação do Curtas à distância. O formato video on demand pago, em parceria com a Shift72, foi escolhido para permitir “o encontro entre o público e os cineastas e o acesso a uma audiência mais alargada, chegando a várias zonas do território, importante especialmente em contextos de isolamento e quando a cultura se afirma como um bem essencial”. Neste formato de visualização ainda mais seguro estão incluídos todos os filmes da Competição Nacional, disponíveis para visualização em online.curtas.pt no dia em que são exibidos na sessão respetiva em sala.
Das 17 curtas-metragens selecionadas para a Competição Nacional – por entre ficção, documentário e animação -, destacamos 6. Não é uma aposta em possíveis filmes vencedores ou uma avaliação imparcial dos melhores; trata-se, pelo contrário, de uma escolha subjetiva das curtas que se destacaram por motivos variados.
CATAVENTO, de João Rosas, tem uma narrativa simples e bem pensada. Acompanha as peripécias de Nicolau, um rapaz a acabar o 12º ano e sem qualquer ideia do que quer para o futuro. Para seu próprio azar, deixa a tarefa de responder a estas questões existenciais complicadas nas mãos de cada rapariga que lhe passa pelo caminho. Bem num estilo coming-of-age, é impossível não sentirmos simpatia por este miúdo confuso cheio de referências musicais. O realizador já recebeu o Prémio de Melhor Filme em 2015.
Podes ver este filme na sessão Competição Nacional 1, com início às 19h45 de 4 de outubro.
SONHO DE UM VERÃO, de Inês Nunes, é a única curta de ficção nacional a preto e branco. A fotografia é belíssima e capta imediatamente a atenção do espetador. Com apenas 11 minutos, desempenha bem a tarefa de transmitir os sentimentos das personagens: a felicidade – ou, melhor, a paz plena – dos primeiros minutos emana diretamente para quem a vê, de um jeito tão eficaz como a instabilidade e a hesitação dos momentos que se lhe seguem.
Podes ver este filme na sessão Competição Nacional 3, com início às 19h45 de 6 de outubro.
SEJA COMO FOR, de Catarina Romano, é uma animação soberba. Do ponto de vista visual, é perfeita. Do ponto de vista temático e emotivo, é bastante adequada ao momento presente: sensações de prisão, distância, incerteza, cansaço e exclusão, mas sempre um ponto de esperança.
Podes ver este filme na sessão Competição Nacional 4, com início às 19h45 de 7 de outubro.
O OFÍCIO DA ILUSÃO, de Cláudia Varejão, é um dos trabalhos que resultaram do projeto Campanhã é a minha casa, integrado no Cultura em Expansão. A ideia era lançar as bases para um processo de construção coletiva – os moradores da freguesia foram desafiados a partilhar as suas coleções de registos de família. Estes retratos da vida real são, agora, a base desta reflexão sobre o papel da mulher numa sociedade patriarcal: um excelente exercício de flexibilidade mental por parte da realizadora.
Podes ver este filme na sessão Competição Nacional 2, com início às 19h45 de 5 de outubro.
SALTO, de Nuno Baltazar, é a história de Alexandre, um miúdo completamente desamparado, abandonado pelos que deviam ter a capacidade de o proteger e perdido por entre os perigos do mundo. O conteúdo é algo triste, mas a forma é bela e bem composta.
Podes ver este filme na sessão Competição Nacional 4, com início às 19h45 de 7 de outubro.
ELO, de Alexandra Ramires, já foi selecionado para o Festival de Cinema de Toronto. É uma animação feita a grafite em papel, sem qualquer tipo de diálogo mas com imenso significado. É o primeiro filme em nome próprio da realizadora, depois da parceria com Laura Gonçalves em ÁGUA MOLE, filme que passou pelo Curtas em 2017.
Podes ver este filme na sessão Competição Nacional 2, com início às 19h45 de 5 de outubro.
Os dados das 17 curtas-metragens nacionais em competição podem ser consultados em baixo.
- A TERRA DO NÃO RETORNO
Patrick Mendes, Portugal, 2020, FIC, 20’
Algures num tempo indefinido, entre um imaginário fantástico e uma etnografia intemporal, presenciamos um ritual de iniciação numa comunidade nos confins da terra, onde o coletivo parece prevalecer sobre o indivíduo.
- ARMOUR
Sandro Aguilar, Portugal/Canadá, 2020, DOC, 30’
Hector vinha podre de bêbado. O pai estava doente e quase a morrer, a namorada trocou-o por um tipo mais velho e levou-lhe o filho de onze anos. Naquele dia vestia uma armadura. Havia uma festa medieval e a cidade estava ao rubro.
- CATAVENTO
João Rosas, Portugal, 2020, FIC, 41’
Nicolau é um rapaz que terminou o ensino secundário mas está à deriva num oceano de escolhas. Além de melómano e curioso, é um romântico que se apaixona por cada rapariga que encontra, e pelas possibilidades que imagina para o seu futuro.
- CRIOULO QUÂNTICO: O ALGORITMO DO ALGODÃO
Filipa César, Alemanha/França/Portugal/Espanha, 2019, DOC, 40’
Parte de um projeto mais amplo que propõe um cruzamento triangular entre os conceitos de trama têxtil (o algodão), trama linguística (o crioulo) e trama computacional, o filme explora excertos de obras e leituras performativas de diversos autores, numa reflexão sobre formas de exploração.
- ELO
Alexandra Ramires, Portugal/França, 2020, ANI, 12’
Uma viagem melancólica e poética sobre o medo e a descoberta: certa noite, o encontro entre um homem com uma cabeça pequena num corpo grande e uma mulher com uma cabeça grande num corpo pequeno ajuda-os a vencer os medos e a aceitar os seus “defeitos” como sensibilidades singulares.
- LASCAS
Natália Azevedo Andrade, Hungria, 2020, ANI, 10’
Uma misteriosa casa junto ao mar, onde a presença da água e dos elementos marítimos tem uma forte carga simbólica, e como as marés enquanto sinais iminentes dos sentimentos que transbordam, esconde inúmeros segredos.
- NHA MILA
Denise Fernandes, Portugal/Suíça, 2020, FIC, 18’
Depois de catorze anos ausente, Salomé viaja para Cabo Verde, para visitar o seu irmão muito doente. Faz escala no aeroporto de Lisboa, onde Águeda a reconhece como “Mila”, sua velha amiga de infância. Águeda convida-a a passar as horas de escala em sua casa, com as mulheres da sua família.
- NOITE PERPÉTUA
Pedro Peralta, Portugal/França, 2020, FIC, 17’
Castuera, Espanha, abril de 1939. Durante a noite, dois Guardas Falangistas surgem à porta da casa onde Paz se encontra refugiada com a família. Solicitam a sua presença na esquadra. Paz compreende imediatamente a fatalidade desta visita noturna.
- NOITE TURVA
Diogo Salgado, Portugal, 2020, FIC, 14’
Dois rapazes correm num bosque numa espécie de jogo “do apanha”, quando um deles se esconde. Para se vingar, o outro resolve ir embora e esconder a bicicleta do primeiro, o meio que o permitiria regressar a casa.
- O NOSSO REINO
Luís Costa, Portugal, 2020, FIC, 15’
Num reino maravilhoso, onde o Diabo supostamente não existe, uma criança vagueia por uma aldeia granítica. Quando chega a casa só encontra a morte e o silêncio dos adultos. Sente-se só, mas só chora quando vagueia sozinho. A partir da obra homónima de Valter Hugo Mãe.
- O OFÍCIO DA ILUSÃO
Claúdia Varejão, Portugal, 2020, DOC, 6’
A partir de imagens de um arquivo de uma família e de excertos sonoros de outros filmes, Madame Bovary, a heroína de Flaubert, é o mote para uma reflexão sobre a identidade de género e valores sociais, num exercício de desmontagem do papel tradicional da mulher na sociedade patriarcal dominante.
- SALSA
Igor Dimitri, Portugal/Argentina, 2020, FIC, 13’
Numa tarde comum de Buenos Aires, alguns personagens convivem em torno do espaço de encontro que é o salão de cabeleireiros dominicanos. Bailarinas e performers, atores, clientes e cantores de reggaeton e salsa.
- SALTO
Nuno Baltazar, Portugal, 2020, FIC, 13’
Numa loja, Alexandre folheia uma revista para adultos, mas isso é apenas uma forma de distrair o empregado, enquanto os seus amigos roubam doces. É um pequeno delito, mas que mostra que Alexandre anda por sua conta e risco. Quando chega a casa, a mãe não lhe abre a porta e o desamparo parece confirmar-se.
- SEJA COMO FOR
Catarina Romano, Portugal, 2020, ANI, 12’
Uma mulher está fechada em casa há muito tempo. Está desempregada, fechada do lado de fora das possibilidades do seu tempo histórico. Fechada dentro de si, os dias pesam sobre o corpo cansado, lugar de todos os combates. Memória salvadora: ela dança.
- SONHO DE UM VERÃO
Inês Nunes, Portugal, 2020, FIC, 11’
Certos momentos perduram mais na nossa memória do que outros: uma recordação positiva, de uma tarde pacífica numa praia, ou uma memória negativa, como o desamparo da indefinição.
- UM FIO DE BABA ESCARLATE
Carlos Conceição, Portugal, 2020, FIC, 59’
A vida pacata de um serial killer em Lisboa é abalada quando um incidente insólito o transforma subitamente numa estrela das redes sociais.
- URSULA
Eduardo Brito, Portugal, 2020, FIC, 6’
Sobre as paisagens sombrias e áridas de uma cidade algures no Círculo Polar Ártico, ouvimos o relato de um homem que sonhou ser uma mulher, um devaneio onírico que permite-lhe estar em dois lugares opostos ao mesmo tempo.