A receita para a felicidade (não existe)
Iludimo-nos ao acreditar que existe uma receita para a felicidade. Para reduzir o risco e a incerteza, procuramos atalhos e caminhos já percorridos. Queremos que nos digam o que fazer, para onde ir e quando avançar.
“Eu só quero ser feliz” — Em algum momento das nossas vidas, já todos pronunciámos estas palavras. Muito provavelmente foi num instante em que as coisas não estavam a correr tão bem e precisávamos de desabafar. Nesta frase, o advérbio “só” pode induzir-nos num tremendo erro. Pode dar a ideia que a felicidade é somente um direito inerente à nossa existência e que basta estar a respirar para poder alcançá-lo. Mas não é bem assim, pois não?
Em 2016, despedi-me de um emprego no mundo corporativo. Estava efetivo e ganhava bem. Aparentemente era o cenário ideal, pelo menos para quem estava à minha volta. No entanto, como todos vocês, só queria ser feliz e não estava a conseguir sê-lo. Faltava algo. Não havia entusiasmo, nem alegria e tampouco aquele brilho nos olhos. O piloto automático tinha assumido o comando e eu sem saber bem o que andava para aqui a fazer. Saturado da mediocridade na qual tinha transformado a minha vida, decidi despedir-me. Queria sair daqui, ver outras realidades e tentar descobrir o que poderia fazer de útil com este período entre o nascimento e a morte.
Surgiu a oportunidade de ir fazer voluntariado de longa duração para o Tarrafal, em Cabo Verde. E assim foi. Fui trabalhar com crianças e jovens e, quando dei por mim, tinha trocado o Excel e as reuniões intermináveis pelas explicações de matemática e as futeboladas até ao sol se pôr. Foram tempos incríveis e profundamente transformadores. Sem esta experiência, muito provavelmente não estaria agora aqui a falar convosco.
Assim que regressei, algumas pessoas começaram a aproximar-se para saber mais sobre a aventura. Sentiam-me mais leve, sereno e feliz. Era um misto de admiração com “inveja”. Em busca de um resultado semelhante, uma delas em particular disse-me que iria fazer o mesmo que eu. Tínhamos a mesma idade e situações profissionais semelhantes, portanto era só aplicar a receita. O que poderia correr mal? Quase tudo.
Despediu-se do emprego estável e foi exatamente para o mesmo sítio que eu tinha ido. Fez as mesmas atividades e, apesar de mais crescidas, as crianças também eram as mesmas. Estava a seguir todos os passos da receita que eu tinha utilizado, tintim por tintim.
Quando voltou para Portugal, decidimos encontrar-nos. Eu estava bastante curioso para saber como tinha sido e como ele se sentia. Conversa posta em dia e ele termina a dizer algo que nunca mais me esqueci: “a experiência foi boa, mas não sinto que me tenha mudado como mudou a ti”. Havia desânimo no seu tom de voz, quase como se tivesse sido vítima de uma fraude. Fraude essa que ele próprio acabou por criar ao partir para aquela experiência com tantas expectativas.
Iludimo-nos ao acreditar que existe uma receita para a felicidade. Para reduzir o risco e a incerteza, procuramos atalhos e caminhos já percorridos. Queremos que nos digam o que fazer, para onde ir e quando avançar. Num trajecto tão único e pessoal, não é possível diluir responsabilidades. Precisamos assumir a 100% as decisões que tomamos. E antes de o fazer, é crucial visitar o que se passa cá dentro. O que sentimos, porque sentimos e quem queremos ser. E isto dá trabalho, muito trabalho.
A (tua) receita para a felicidade és tu quem a cria, de raiz. Tens de saber de que ingredientes és feito e quantas panelas tens à disposição. Não basta ver palestras no YouTube, ter um Coach ou ler “os 10 passos para a felicidade”. Claro que isso pode ajudar, sem dúvida. No entanto, o maior contributo tem de vir da tua parte. Tens de arriscar e estar disposto a cair. Tens de passar pelas experiências e senti-las na pele. É daí que vem a sabedoria, a evolução e, quem sabe, a felicidade.
Atreve-te a percorrer este trajecto e, no meio de todas as dúvidas e falta de garantias, de uma coisa podes ter a certeza: pelo menos o caminho é teu.