Sem querer, não é possível viver de propósito
A verdade é esta: a maioria das pessoas não sabe muito bem o que anda cá a fazer. Entre a agitação do quotidiano, o medo de não conseguir sobreviver e o boicote que fazemos às nossas convicções, sobra pouca disponibilidade espiritual para nos colocarmos em perspectiva. As distrações são mais que muitas e os estímulos intermináveis. Talvez seja por isso que nos fomos desligando de quem somos e daquilo que verdadeiramente ambicionamos. Será que foi de propósito que começámos a viver sem querer?
Custa-me a crer que tenha sido uma decisão deliberada. De forma inconsciente, fomos andando por um caminho estreito, onde já pouco ou nada havia para colher. Somos uma equação com tantas variáveis que nem a calculadora mais avançada se atreve a adivinhar no que isto vai dar. À soma dos nossos pais, podemos multiplicar a educação que recebemos, dividir pelas desilusões que vamos sofrendo e subtrair a pouca esperança que ainda resta. Não é fácil quebrar a corrente, fugir ao círculo vicioso e arriscar descobrir uma nova forma de encarar a vida.
Fico bastante feliz por ter uma grande diversidade de leitores. Ainda assim, arrisco-me a dividi-los em dois grandes grupos. Fazem parte do primeiro conjunto todas as pessoas que já admitiram que a vida não está a resultar. Não aguentam mais viver desta forma e estão dispostas a mudar. Mais do que quererem alterar o seu dia a dia, estão disponíveis para assumir o comando das suas vidas. A mudança dá trabalho, mas certamente que ficar como estão exige um sacrifício bem maior. O segundo grupo encontra-se nos antípodas do primeiro. Sabem que as coisas não estão bem, até colocam a hipótese remota de uma eventual mudança, mas ainda estão demasiado presas ao papel de vítima. “Isso é tudo muito bonito, mas…” — a objecção mais frequente de quem não quer fazer nada. A energia que poderiam direcionar na busca de soluções segue todinha para o saco da vitimização. Assim que encontram alguém que aparentemente está “melhor” do que elas, prontamente se disponibilizam a apontar vinte causas que retirem o mérito daquela pessoa. “Teve muita sorte na família que calhou”, “Com aquela carinha laroca também eu”, “De certeza que é corrupto”, “Se ainda tivesse aquela idade também fazia isso”. Enfim, a lista é interminável.
É verdade que existem contextos mais desafiantes do que outros. Isso não está em causa. Ainda assim, o que resolve estarmos constantemente a constatar um facto? Nada. Rigorosamente nada. É um desperdício de tempo e energia. Sem querer, estamos a afastar-nos do nosso propósito de vida e a perpetuar a mediocridade. Aqueles instantes de escárnio e maldizer até podem trazer-nos algum alívio e gratificação. No entanto, quando a cabeça pousar na almofada, a verdade virá à tona e a dor será bem maior.
A vida é tua e as escolhas também são. Certifica-te que optas por aquelas que melhor servem o teu bem-estar. Pára para sentir. O que te move? Certamente que não é pagar as contas e ter a barriga cheia. Essas são apenas duas das condições para (sobre)viver neste mundo. Refiro-me àquilo que te faz acordar antes do despertador. Aquilo que te traz tanta satisfação que nem te importarias de o fazer gratuitamente. Aquilo que faz os teus olhos dizerem “sou feliz”. Demore o tempo que demorar, custo o que custar, este é o único caminho que nos permite viver de propósito. A decisão será sempre tua.
A maior prova de amor que podes dar a ti próprio é essa mesmo: escolher ser feliz. Não é imediato, muito menos simples. Requer trabalho, dedicação e empenho. De nada serve ficares à espera que o teu propósito de vida chegue. Faz da vida o teu propósito e nunca aceites menos do que mereces, caso contrário ficas em dívida com a tua felicidade.
Podemos não saber qual o destino, mas se formos verdadeiros vamos sempre saber qual o próximo passo.