Leis da física em tempo de pandemia
Passou mais de meio ano desde que esbarrámos espetacularmente contra o muro do nosso frenesim, a toda a velocidade, e sem tempo de suavizar o embate. São assim as leis da física — a força é igual à massa multiplicada pela aceleração. Quanto maior a aceleração, maior a força com que somos projetados e com que batemos.
Porque andamos a tão alta-velocidade? Quem estamos a tentar apanhar nesta forma de vida multitasking, com todos a ser muito eficazes, muito capazes de tudo, muito versáteis e moldáveis — todos a toda a hora em todo o lado? Se Álvaro de Campos e os outros futuristas já se espantavam com a evolução galopante das tecnologias e a rapidez das coisas no início do século XX, que pensariam eles se nos vissem agora?
As nossas tarefas quotidianas estão facilitadas com todo o tipo de tecnologias, eletrodomésticos e inovações que poderiam dar-nos mais tempo para o que gostamos de fazer, mas esse tempo é-nos retirado porque há mais a inventar, há sempre um novo objetivo que exige mais produção e adaptação “aos tempos”.
Quando nos distraímos, até o tempo de lazer é um tempo de correr atrás de alguma coisa, atrás daquelas experiências, viagens e conhecimentos que vemos nas exóticas redes sociais dos outros. E aí, se não procuramos também essas experiências, começamos a sentir que não estamos a ser suficientes, que o mundo nos está a fugir e que a vida nos vai passar à frente sem termos feito nada de interessante.
Não é à toa que uma das doenças da nossa sociedade é o Burnout. Estamos sempre a tentar, vertiginosamente, acompanhar a nossa própria ansiedade de conseguir mais e melhor, mas quando alcançamos o que queríamos, já estamos à procura outra vez de outra coisa melhor e mais inovadora. Somos “o Hamster que corre a toda a velocidade para acompanhar a rotação que ele próprio imprime a uma esfera fixa”, como nos lembra a 9.ª edição da revista Electra que tem como assunto principal a Velocidade.
Era (como voltará a ser, porque não se muda de um dia para o outro e nem as alterações climáticas nos conseguem abrandar enquanto forem “brandas”) este o frenesim que nos arrastava quando a pandemia nos travou radicalmente e mudou as nossas vidas nos meses do confinamento. O embate, já se disse, sentiu-se consoante a velocidade de cada um — a força é igual à massa multiplicada pela aceleração.
Aqui, no campo, quase na beira interior, onde moro, a tecnologia, a necessidade de mostrar e ser aprovado e a facilidade com que saltamos de profissões, relações, etc. é idêntica à de um meio urbano. No entanto, temos mais tempo e mais espaço: porque as coisas são exigidas a outro ritmo, porque as filas não existem, porque se estaciona rápido, porque há menos pessoas e mais sítios para observar a evolução lenta e paciente da natureza. As casas respiram entre si e as ruas tem menos trânsito e mais árvores. Ainda assim, o confinamento não foi fácil, mas sempre que tentei imaginar-me na mesma situação numa grande cidade, com mais aceleração, pressenti que o grau de degradação da minha vida e da minha saúde mental seria extraordinariamente maior — quanto maior o ritmo, maior o impacto da travagem.
Por outro lado, salvou-nos a vários níveis a velocidade maravilhosa das tecnologias que tanto nos atormentam (sobretudo pela facilidade com que através das redes sociais podemos comparar as nossas vidas com as dos outros) mas que ao mesmo tempo nos reconfortaram num momento tão difícil com a possibilidade de socialização, trabalho e escola à distância. Sim, sabemos que a escola online não foi a melhor coisa, sabemos que o trabalho online com as crianças dentro de casa não foi a melhor coisa, mas sabemos também que não estávamos preparados para parar totalmente e ter tempo de assimilar cada experiência, incluindo as más, a seu tempo, interiorizando o valor real das coisas. Segundo a revista Eletra n.º 9, para Virílio (filósofo) “A acelaração do tempo impede-nos de ver a diferença entre o verdadeiro e o falso”.
O que poderemos retirar das contradições com que nos deparamos? Desta velocidade que nos traz ferramentas que nos facilitam a vida e que nos prendem ao mesmo tempo? Desta pandemia que nos fez parar para ao mesmo tempo nos fazer correr atrás de uma cura? Deste momento de desaceleração que a uns oferece um espaço para refletir enquanto a outros oferece um desespero paralisante de não ter como sobreviver? Devemos parar ou devemos agir rapidamente? Em que velocidade continuar?