Em caso de dúvida, não duvides do teu valor
Da mesma forma que o senso comum é cada vez mais raro, também os lugares-comuns se encontram cada vez mais desabitados. São uma espécie de aldeia no interior que, apesar da sua indiscutível beleza, poucos são os que se atrevem a mudar para lá. O excesso de distrações dos grandes centros urbanos, acompanhado pelo aconchego da multidão, são argumentos recheados de açúcar, prestes a viciar-nos numa existência que fica aquém da plenitude. O “acredita em ti” é um desses lugares desertificados pela falta de coragem. Todos concordamos que devemos confiar no nosso valor. Isso é inquestionável. Se estamos de acordo, porque teimamos em duvidar? Não basta acenar com a cabeça. É preciso fazer um esforço para interiorizar esta crença. Da mesma forma que não encontramos um nudista não praticante, também não é possível ser um defensor do amor-próprio meramente no plano teórico.
Sempre vivi muito no “mundo dos porquês”. Talvez tenha herdado esta particularidade dos meus tempos de criança. Como qualquer bom questionador deve saber, no que toca a duvidar, não se olha para os rótulos das perguntas. Nada é mais importante do que a busca por um sentido, uma lógica qualquer, um “é isto mesmo!”. Algo que nos tranquilize e que faça as peças encaixarem. Até lá chegar, duvidamos de tudo. Como seria de esperar, esta rede de malha fina também não deixa passar o nosso valor. A pessoa que somos é passada a pente fino. É como se estivéssemos constantemente a atravessar por um detetor de falhas que, à mínima imperfeição, desata a apitar sem dó nem piedade.
De tanto duvidar, fiquei com dúvidas relativamente ao meu “método”. Percebi que não era sustentável e que, por mais fundo que fosse, iria sempre emergir uma nova questão à superfície. Nunca iria chegar o dia em que a checklist estaria limpa. Impossível. Esta constatação obrigou-me a reajustar as velas e a procurar uma nova forma de navegar pelo oceano de incertezas que é a vida. O “não sei” veio para ficar. Mudou-se de malas e bagagens, trancou a porta e deitou fora a chave. Como saltar pela janela não era uma opção, precisei de aprender a relacionar-me de uma forma mais saudável com ele. E é isso que tenho tentado fazer.
Precisamos normalizar as dúvidas que sentimos. É perfeitamente natural que por vezes coloquemos o nosso valor em causa. Ninguém está sempre na mó de cima. Onde houver luz, poderá existir sombra. Nós não somos a exceção. Nesses instantes de inquietação, dar um passo atrás pode ser a melhor forma de olhar a questão de frente. Sinto isto porquê? Será que não sou mesmo capaz? Ganho algo em alimentar este pensamento? Quando resistimos à vertigem do abismo e despimos os receios, descobrimos o quão frágeis eles são. Perdem a força insuflada que possuíam e nós recuperamos o nosso poder de volta.
Neste preciso momento, não sei se estou à altura para falar deste tema. Não sei se vou conseguir passar a mensagem. Não sei se estou a deixar de fora alguma palavra mais adequada. Não faço ideia qual será a reação de quem está a ler. O desconhecido é vasto e a lista de incertezas infindável. Assumindo que nunca vou ter o dom de prever o futuro, só me restam duas opções. Posso apagar tudo o que escrevi até aqui e tentar fingir que isto nunca aconteceu ou posso manter a caneta na diagonal. Palavra a palavra, frase a frase, na certeza que estou a fazer o melhor que sei.
As dúvidas vivem connosco. O que não quer dizer que tenhamos de estar sempre com elas. A água que permite que a vida exista é a mesma com que alguém pode morrer afogado. Também as incertezas, por si só, não são boas, nem más. Depende sempre da utilidade que lhes dermos. Tanto podemos usá-las como bode expiatório para a nossa inércia como transformá-las em combustível para a excelência. As dúvidas têm a maravilhosa habilidade de nos manter alerta. Ficamos mais presentes, mais focados e atentos a cada detalhe. Mantêm também a chama da humildade bem acesa, sem esquecer que os pés na terra nunca impediram ninguém de contar as estrelas.
Não te conheço, mas tenho a certeza que se existe alguém que merece o benefício da dúvida, esse alguém és tu. Todos temos algo. Fica a saber que és a melhor pessoa do mundo a fazer de ti próprio. Chamem-lhe teorias, autoajuda, coaching ou desenvolvimento pessoal. Podemos usar os embrulhos que quisermos, desde que isso não destoe o sentido do conteúdo. Acreditar em nós próprios deveria ser um lugar que todos temos em comum. Enquanto não for, começa por ti e nunca te esqueças que o teu valor é como o oxigénio, não precisas de prová-lo para saber que existe.