Bracquemond, Morisot, Cassatt e Gonzàles: as quatro grandes damas do Impressionismo
Marie Bracquemond, Berthe Morisot, Mary Cassatt e Eva Gonzales. São quatro nomes que marcaram o Impressionismo, por entre os nomes de Manet, Monet, Renoir, Sisley ou Pisarro. São quatro mulheres, sim, algo inusitado nos quadros convencionais da arte do século XIX e muito mais nos anteriores. No caso, são duas mulheres francesas e uma americana que pintaram com o mesmo afinco e génio do que os demais mestres. Procuraram, também, a cor, a luz natural e alcançar os reflexos espontâneos que a paisagem e o momento convidavam. No entanto, as condicionantes sociais, que as excluíam e a consideravam incapazes, chocavam com uma visão que se tornava cada vez mais íntima e feminina, algo que as fazia procurar por essa verdade das coisas e pelo retrato da própria mulher, com um enfoque sempre orientado pela sua interação com o meio a si envolvente. As críticas académicas de que o Impressionismo era um movimento para os temperamentos fracos e para os intelectos inferiores das mulheres seriam contrapostos com esse contributo artístico de ressalva, mesmo com a sensibilidade de que, tão criticada, se fez força e arte.
Marie Bracquemond
Marie Quivoron foi a primeira das quatro a nascer, a 1 de dezembro de 1840, falecendo a 17 de janeiro de 1916, aos 75 anos. Muitos dos seus méritos artísticos ficariam na sombra do seu marido, Félix Bracquemond, com quem trabalhou e com quem teve a oportunidade de expor os seus primeiros trabalhos, uns serviços de loiça de jantar e uns trabalhos em faiança, com painéis retratando musas. Pouco tempo depois, começou a expor no Salon de Paris, aos 24 anos. Seria, precisamente, o seu marido a abrir-lhe os horizontes para as gravuras em água-forte, embora, com a emergência do movimento impressionista, começasse a dedicar-se ao trabalho da cor em grande painéis e no exterior do seu estúdio. A sua aproximação a Claude Monet e a Edgar Degas arreliaria o marido, contrafeito com a mentoria destes à sua esposa. Aliás, ficaria a impressão de que o seu marido se tornava cada vez mais desconfortável com a sua proeminência e crítico do seu percurso.
Grande parte dos seus quadros foram pintados no seu jardim, em Sèvres, nos subúrbios de Paris, e começou a expor com frequência a partir da década de 1880, envolvendo-se nas exposições dos impressionistas e em várias galerias europeias. Porém, o seu percurso estava longe de estar consolidado e o aparecimento de Paul Gauguin, que conheceu por intermédio de Alfred Sisley, ajudou-a a ampliar os seus horizontes e a encontrar as intensidades cromáticas ideais para os seus trabalhos. Contrariamente ao que era comum dos pintores seus contemporâneos, era cuidadosa com o planeamento do seus trabalhos, demorando algum tempo, a partir de esboços e de desenhos que prenunciavam obras que, não obstante, davam a sensação de serem bastante espontâneas. No entanto, e já em 1890, a sua carreira tornar-se-ia tímida, dado o desgaste conjugal que sentia e o desinteresse que também percebia da parte de quem apreciava o seu trabalho. Continuou bastante ativa na defesa do Impressionismo e até desenhou algumas pinturas de foro privado, mas nunca se encolheu de afirmar o seu contributo numa nova forma de percecionar a realidade, em que o Sol e o ar entram em casa com tamanha vivacidade.
Berthe Morisot
Berthe Marie Pauline Morisot nasceu um ano depois, a 14 de janeiro de 1841, falecendo a 2 de março de 1895, aos 54 anos. Aos 23 anos, já expunha no Salon de Paris, depois do apoio dado pelo negociador Paul Durand-Ruel, que lhe adquiriu duas dezenas de trabalhos – e continuou a ser um habitué até à cisão dos pintores “rejeitados” em relação à exposição do Salon, apoiada pelo governo e supervisionada pelos membros da academia. Nesse lote de pintores rejeitados, estão os grandes nomes do Impressionismo, que incluiam, fora os já mencionados, Paul Cézanne. Morisot faria parte de sete das oito exposições impressionistas – falhou uma dado o nascimento da sua filha, Julie, que seria pintora e modelo – que ocorreram no estúdio do fotógrafo Nadar. Morisot seria casada com Eugène Manet, o irmão de Édouard Manet.
A sua pintura, tendo começado na década de 1860, só estabilizou na década seguinte, após muitas experiências com pastel e aguarelas. Aliás, e depois de uma fase turbulenta, em que destruía grande parte das suas obras, dado o desagrado que sentia com o seu trabalho, seria com as aguarelas que se encontraria, nessa pintura no exterior (plein air), com o uso de cores frescas, com o intuito de criar ambientes translúcidos. No entanto, e com a chegada dessa rutura impressionista em relação aos cânones tradicionais da pintura, arriscou mais no óleo e transpôs muitas das aguarelas com as quais havia ensaiado retratos do exterior que havia pintado. A sua preparação era meticulosa, embora flexível, dada a quantidade de materiais com os quais gostava de pintar, como carvões e até lápis de cor. Ao contrário dos seus colegas, que optavam por formas baças e pouco nítidas, Morisot procurava formas e linhas claras, sendo influenciada pela arte japonesa – da qual começou a colocar os objetos de parte do centro dos seus trabalhos – e até pela fotografia.
No entanto, tornou-se cada vez mais geométrica e mais rigorosa, procurando transcrever com exatidão os seus desenhos para a tela, de forma a gerar composições mais complexas entre as figuras representadas. Porém, as bases impressionistas, nomeadamente as pinceladas largas e amplas e o aproveitamento da reflexão da luz, estiveram sempre presentes, embora com esse instinto gráfico que a diferenciava. A sua elegância e a luz que transmitia nos seus trabalhos até gerou críticas com tom machista, nomeando o seu “charme feminino”. Porém, isso não fez mudar o seu estilo, destinado à observação e à verdade inicialmente, mas a derivar para a tal pincelada mais solta e para a sinuosidade das suas formas, que lhe abriram as portas para um sentido maior de espontaneidade. De igual modo, apesar de uma palete de cores mais ou menos limitada, ia em busca de um sentido de espaço e de profundidade mais expansivo e até, de certa maneira, vivaz, com o uso do branco com outras cores mais elementares.
Embora essa cor fosse minimalista, era uma busca por um balancear entre a densidade das figuras representadas e os traços atmosféricos da luz que ia captando no seu diálogo entre aguarelas, pastéis e óleos. Como temas, muitas vezes a questão da família, das crianças, das mulheres e outros motivos florais, envolvendo a vida feminina nesse período, no seu sentido mais íntimo e nas condições que a sociedade lhe permitiam, dadas as restrições existentes. Usava, como modelos, suas familiares e procurava poder pausar, por um minuto, a passagem galopante do tempo, para celebrar a feminilidade e para relembrar o seu próprio passado de meninice e de juventude. No entanto, não deixava de ser uma pintura atual, atenta à emergência da moda e até à revalorização contemporânea do nu, embora, fazendo jus à sua veia impressionista, destacasse a natureza, tanto em autênticas paisagens, como em pequenos meios, como jardins ou cenários náuticos. A sua pintura, apesar de vista com grande desconfiança inicialmente, seria a das mais valorizadas pela crítica no rescaldo do movimento impressionista, indiferentemente de se tratar de uma mulher ou não.
Mary Cassatt
Mary Stevenson Cassatt nasceu no estado da Pensilvânia, a 22 de maio de 1844, nos Estados Unidos da América. No entanto, mudou-se cedo para França, país onde muito pintou e onde viria a falecer, a 14 de junho de 1926, com 78 anos. Foi outra pintora que procurou investir no retrato da maternidade e de cenários sociais e privados da mulher e foi, em muito, comparada com Degas, na forma como ambos procuraram representar o movimento, a luz e a configuração moderna dos objetos e dos seus diálogos. Dos quatro nomes aqui apontados, foi, talvez, a mais célebre, tornando-se reputada em França e nos seus países vizinhos, desde Espanha a Itália, onde pintou motivos locais, mas sempre no feminino. Crítica do conservadorismo que prevalecia no Salon de Paris, procurava romper com essa discriminação de género que ocorria neste contexto, embora se fosse transformando, ligando-se a motivos mais modernos e orientados para a emergência da sociedade norte-americana. No entanto, a sua amizade com Degas, num período menos positivo da sua carreira, fá-lá-ia reemergir na plenitude impressionista.
Aqui, faria amizade com Morisot e participaria nas exposições do movimento, reunindo-se com os seus membros em ambientes circunscritos, tendo em conta o seu estatuto na comunidade artística. Saía, assim, dos confins do estúdio para o exterior, levando sempre um bloco para os seus esboços, captando momentos da atividade artística da cidade. Porém, permanentes seriam os retratos das mulheres, de mais velhas a mais novas, como “Little Girl in a Blue Armchair” (1878), exposto na National Gallery of Art, em Washington D.C., ou cenário familiar de “The Boating Party” (1893), exposto no mesmo lugar, e que denota alguma inspiração na pintura japonesa (ukiyo-e). Aliás, muitas das suas pinturas futuras seriam expostas noutros polos de referência artística do seu país, nomeadamente no Metropolitan Museum of Art, em Nova Iorque. No seu processo criativo, Cassatt gostava de experimentar diferentes materiais, desde o uso de químicos e de objetos metálicos, embora se fixasse no uso do pastel. Também fez algumas águas-fortes com a companhia de Degas, com o recurso a pontas-secas. Ainda naquilo que foram as exposições impressionistas, a pintora foi das que mais se destacou ao olhar da crítica conservadora, com o recurso a cores vivas e brilhantes e com uma atenção às formas que também prenunciavam o realismo. Aliás, numa fase final da sua carreira, Cassatt foi experimentando entre diversos discursos artísticos, embora sem nunca abandonar os predicados fundamentais do Impressionismo, da cor à luz.
Aliás, Mary Cassatt, nos anos que viveu nos Estados Unidos, fez parte de uma corrente feminista que se foi desenvolvendo nesse século XIX, defendendo a equidade entre homens e mulheres nas estruturas sociedade e no acesso à universidade, para além de, posteriormente, o direito de voto das mulheres. Foi, assim, uma dessas “New Woman”, que, a partir da sua pintura, procurava dignificar e até tornar as mulheres mais complexas, com significados profundos e íntimos da sua vida. Era uma forma de exprimir a necessidade da equidade destas em relação aos homens, um ideal que também adquiriu da sua mãe, Katherine, que acreditava na educação das mulheres como algo socialmente fundamental. Assim, apesar de convencional, a sua pintura antevia valores de valorização feminina que não chocavam com as reivindicações sufragistas, que apoiava e que, de forma indireta, também inspirou, mesmo após a sua cunhada, anti-sufragista mostrar descontentamento pela sua postura.
Eva Gonzàles
Eva Gonzalès, embora não considerada uma das três grandes damas do Impressionismo, também se envolveu neste movimento, tanto como pintora, como no papel de modelo, tendo posado para vários dos mestres do estilo. Nascida a 19 de abril de 1849 e falecendo a 6 de maio, de 1883, aos 44 anos, foi pupila de Édouard Manet, a única formalmente tomada como tal. Assim, tornou-se em muito similar a este, com uma palete bastante sóbria e com uma expressão disciplinada das suas formas. Os temas não eram muito diferentes da realidade do quotidiano e, com as suas cores neutras e com a precisão dos contornos que desenhou, tornou os seus pastéis suaves e delicados, que a distinguiram de Manet quando este embarcou numa deriva mais cromática e viva.
Em relação ao Salon de Paris, seria vista com agrado, tendo em conta a “técnica feminina” apurada e a “harmonia sedutora”. Curioso, de igual modo, assinalar que tinha ligações próximas à alta elite cultural de Paris, por intermédio do seu pai, o escritor Emmanuel Gonzàlez, que era presidente da Sociedade das Gentes de Letras de França Como tal, nunca chegaria a expor – aliás, como Manet – nas exposições impressionistas, embora, no seu estilo, partilhasse bastantes afinidades (também por isso não seja considerada uma “dâme” do Impressionismo). Focou-se num estudo voltado para si, para a sua individualidade e para a sua identidade, embora também retratasse os seus familiares com frequência, nomeadamente o marido, Henri, e a irmã, Jeanne. Muita da sua pintura seria comprada pelo governo francês, embora a maior parte ficasse na posse dos seus familiares.
São quatro nomes os que, em feminino, de forma mais vincada ou não, participaram no assomo criativo do Impressionismo. Destacaram, acima de tudo, o seu ser feminino e os significados inerentes à vida social e privada da mulher com o olhar de uma cor superlativa, assim como do uso da luz natural como fonte de enriquecimento artístico. No entanto, também alguns dos temas, como os aspetos paisagísticos, fizeram-se sentir nos trabalhos que ficaram para o presente e para o futuro, que relembra um passado onde as condicionantes para uma mulher puder pintar e obter subsistência a partir da sua carreira artística abundavam. Foi à luz de todos estes obstáculos que Bracquemond, Morisot, Cassatt e Gonzàles singraram e tornaram o Impressionismo mais impressionante.