Teologia feminista – Deus tem género?
Se procurarmos teologia feminista na Wikipédia surge-nos a seguinte descrição: “um movimento encontrado em várias religiões, como budismo, cristianismo e judaísmo, que reconsidera as tradições, práticas, escrituras e teologias dessas religiões a partir de uma perspectiva feminista.” Contudo, talvez a forma mais simples de explicar o que é isto da teologia feminista seja dizer que se trata do estudo teológico feito por mulheres, no sentido de serem livres no universo da Religião. No fundo, este movimento surgiu como uma forma das mulheres reagirem com eficácia à unilateralidade da teologia dominante e à prática eclesial, que se apresenta como uma contribuição incompleta da teologia. O objectivo é, claro, fazer existir uma teologia da integridade, na qual os géneros coexistem e se completam.
The Woman’s Bible
Comecemos por explicar, então, a sua génese: no final do século XIX, um grupo de mulheres cristãs norte-americanas, liderado por Elizabeth Cady Stanton, começou a reunir-se para fazer um levantamento de todas as passagens bíblicas onde existia referência à mulher. Desse trabalho surgiu a Woman´s Bible, editada em duas partes, em 1895 e 1898. Este projecto de reinterpretação da Bíblia, feito por um grupo de mulheres, foi a primeira acção significativa para a criação de uma nova consciência da mulher, sobretudo no interior das comunidades cristãs. Foi a partir deste projecto que, anos depois, surgiu a chamada teologia feminista.
“Pedi a Deus, Ela vos ouvirá”
Em 1911, na Grã-Bretanha, fundou-se a St. Joan’s International Alliance, um dos primeiros movimentos feministas no meio católico. A premissa do movimento era “exigir a igualdade dos homens e das mulheres”, e o lema das associadas, “pedi a Deus: Ela vos ouvirá.” O uso do género feminino associado a Deus levantou polémica, mas a explicação era simples e clara: estas mulheres defendiam que Deus não tinha género; Ele/Ela está acima desta questão. Contudo, o feminismo na teologia desenvolveu-se, de uma forma mais estruturada, a partir da segunda metade do século XX, inicialmente em alguns países da Europa Ocidental e nos Estados Unidos. Algumas teólogas aperceberam-se do quanto Deus era cúmplice do bloqueio masculino às reivindicações sociais, políticas e religiosas das mulheres. O Deus anunciado nas várias religiões e adorado na Igreja era, afinal, um inimigo da emancipação feminina, e estava a ser usado como um entrave para as conquistas das mulheres.
Teologia feminista, hoje
As teólogas feministas continuam a não ser aceites nos espaços institucionais dominados pelo clero e por pessoas convencidas da superioridade da imagem patriarcal de Deus. Uma das batalhas atuais importantes das teólogas feministas na América Latina, nomeadamente no Brasil, é em relação ao poder religioso que domina os corpos femininos. Segundo Ivone Gebara, teóloga feminista brasileira, é necessário “introduzir a questão da dominação sexual na teologia, falar dos corpos destroçados pelo abuso sexual, e na sua redução a um produto do mercado, na sua culpabilização religiosa como instrumento de manutenção da mesma lógica de dominação.”
A verdade é que estas questões feministas no interior da Igreja já levam uns séculos de luta, e ainda estão a dar os primeiros passos. É necessário insistir na desmistificação de certos conceitos religiosos associados ao género, nomeadamente o papel da mulher no clero. As teólogas feministas e o corpus das mulheres na Igreja continuarão a bater-se pela dignidade feminina, pois só assim será possível uma mudança de paradigma na História da religião. Talvez não se possa confirmar se Deus é feminino, masculino ou que não tenha género; se um dia conseguirmos, teremos a prova de que Ele/Ela existe para todos.