A exploração do mundo nos nossos dias
Sou do tempo em que, na escola, nos era incutido o espírito itinerante português, que descobriu terras, civilizações e as suas riquezas. Todos os contornos morais futuros é tema para discussão científica, baseada em factos e sustentada em tudo menos em orgulhos que vão bem para lá do respeito pelo próximo e pela condição primária de cada um, que é, claro está, ser humano. Feita esta nota, não se pode negar que muitos desses longínquos (ou será que assim tanto?) séculos XV e XVI foram palco de um sem número de gente que navegou e que “descobriu”, nos quais muitos eram portugueses. E é esse espírito que não nos deixa escapar de um facto que, hoje, prevalece: somos seres do mundo. De um mundo repleto de expressões culturais, de diferentes modos e texturas, com diferentes origens e veículos, mas onde estão plasmadas vivências, experiências, histórias. Histórias essas que queremos conhecer.
Essa globalidade é que faz de nós identificados com esta dinâmica turística intra e intercontinental, pese embora os eventuais exageros. Aquilo que realmente interessa é o que nos une, que é a vontade de desbravar o mundo e de, com respeito pelo que é diferente e diverso, descobrir. É um descobrir diferente, embora semanticamente igual àquele que foi feito séculos atrás. É um descobrir construtivo, com a necessidade de encontrar e de reencontrar. Essas jornadas que vão começando na infância, nos lugares que a memória faz por perdurar e que as emoções fazem por frutificar. A exploração começa por aí, por um imaginário fértil, alimentado pelas fantasias da realidade e pelas realidades que a própria fantasia faz nascer. Essa revelação constante é um alimento sadio e nutritivo para a alma e com benefícios comprovados para o físico e para a mente.
E seguimos esse périplo, que já nos permite, nos tempos que correm na natural velocidade, descobrir sem ir muito longe. Apesar do sacrifício que se pode fazer da fantasia, a realidade começa a ser, efetivamente, plural, com as viagens daqui acolá cada vez mais acessíveis, com o privilégio das tecnologias que informam e que comunicam como nunca. Ligam, de facto, o mundo, nos seus quatro pontos mais distantes entre si. De hemisférios a continentes, é uma ligação cosmopolita que se entende, cada vez mais, num idioma universal – o da humanidade. É essa humanidade que o espírito itinerante português continua a procurar, descobrindo o que é feito do fascinante e do maravilhoso que se idealizava do outro lado do mundo. É verdade que, atualmente, muito mais se sabe do que são feitos, mas também é verdade que a planificação da exploração vai sendo o cruzamento do coração com a razão, do enriquecimento passado com a tal fantasia futura.
Na atualidade, a itinerância é, assim, cada vez mais avassaladora, por muito que não se saia, fisicamente, do sítio. Já se conhece bem mais sobre muito mais. O potencial para sermos das gerações mais sabedoras e conhecedoras é imenso, apesar dos riscos subjacentes. É normal colocarem-se em questão e em evidência, já que abre palco para que nos descaraterizemos e sejamos mais cópias do que seres verdadeiramente novos e fiéis à nossa singularidade. No fundo, o sentido da viagem dentro do quarteirão é essa descoberta constante, que ilumina e cintila o espírito humano, que é obrigado a despertar e a atentar ao que lhe rodeia. É obrigado a, dentro do seu plano pessoal e profissional, pausar para (se) encontrar. É esse momento de pausa que enriquece a experiência de uma exploração que, por mais propensão mundial, também se pode cingir ao espaço mais ao pé (para não dizer à mão).
Então, afinal de contas, do que é feita a exploração do mundo nos nossos dias? Muito é alimentado pela necessidade de viajar, acompanhando os amigos, colegas e familiares que fazem das suas férias autênticos movimentos pendulares para os países vizinhos, para além de desencantarem os paraísos perdidos do país que vão achando, tanto por recomendação, como por espontâneo achado nas profundezas da teia internauta. Mas muito também é movido por esse sentido de querer correr os continentes e de ver todos os oceanos, de experienciar uma pitada de cada cultura e de cada realidade, por mais distante que ela seja. Em muito despertado por aquele livro daquele autor que tão bem retratou aquela cidade. Ou por aquele filme, que capta aquele espaço com uma história que perdurou no imaginário. Ou até aquela música, folclórica ou nem tanto (também ela é revelação e descoberta), que nos remete para a linha do horizonte na qual se abriga esse desejo geográfico. Logisticamente, cada vez mais recursos se unem para que esses projetos deixem de ser a megalomania de gerações passadas. Aliás, agora, até custa pensar no que os nossos antepassados perderam, limitando-se a conhecer um centésimo ou ainda menos da plenitude do globo terrestre.
Somos uns privilegiados. Vimos pais, avós, bisavós partir sem este instinto, esfolando-se a trabalhar para que os seus descendentes pudessem ter esse leque de oportunidades à sua disposição. Contudo, é certo, dentro das suas limitações sociais e culturais, que, também eles, sonharam. Também eles foram criadores de fantasias, quiçá mais lúcidas e ricas que nós, já embrenhados nas tecnologias desenvolvidas e na artificialização do mundo. O nosso privilégio consiste em fazer do seu suor e do seu espírito de sacrifício uma contribuição com significado e com valia para o mundo: a criação de uma geração que se volta para o mundo, para os seus desafios, para as suas questões e para a sua resolução em conjunto, unindo o que faz de cada um único e diferente em prol de sermos mais e melhores. E assim seguimos, em exploração, em revelação constante e diária, descobrindo aquilo de a humanidade foi e é feita. Do que será? A resposta fica para aqueles que, das suas explorações, fazem decisões e, destas, boas ou más ações.