Quem nos ensina a amar?
Ninguém nasce ensinado — isto já toda a gente sabe. Aquilo que desconhecemos é a complexidade inerente a esta condição de eterno aprendiz. O ritmo a que existimos pressiona-nos a aprender rápido. Ficar para trás na corrida evolutiva pode trazer-nos incontáveis frustrações, amarguras e desilusões. Há falta de melhor (ou pelo menos diferente), circunscrevemos a nossa aprendizagem infantil às referências que a vida nos ofereceu. À medida que contemplamos a realidade que nos rodeia, vamos erguendo os primeiros preconceitos, crenças e ideias sobre o que é “normal”. Da mesma forma que a esponja da loiça não discrimina a cor da água que absorve, também nós não olhamos à qualidade do que assimilamos, enquanto recém-chegados a este mundo. Tudo é novo, surpreendente e admirável. Sem que tenhamos consciência disso, é nesta fase que começamos a construir o adulto que iremos ser.
Na tentativa de ser um adulto saudável, todas as manhãs, tomo um multivitamínico para corrigir eventuais desequilíbrios que possam existir. Fico sempre incrédulo, cada vez que olho para a cápsula e imagino como conseguiram enfiar ali 22 vitaminas e minerais. Certo dia, em conversa com uma amiga nutricionista, questionei-a acerca das quantidades de cada substância. Isto porque, ao ler o rótulo, percebi que determinados compostos excediam a dose diária recomendada. Não me fazia sentido estar a ingerir quase o dobro de vitamina D, E e B12. “Por que motivo colocaram no comprimido mais do que precisamos?” — pensava eu, curioso e intrigado. A Sofia explicou-me que isso era perfeitamente normal, pois o organismo não é capaz de absorver todos os nutrientes que ingere. Apesar de os comprimidos serem iguais para todos, cada um de nós vai retirar deles o que conseguir.
Sinto que com o amor passa-se exactamente o mesmo. É um sentimento universal e transversal a qualquer pessoa. Todos precisamos, todos queremos, mas nem todos o absorvemos da mesma maneira. Reféns de alguns exemplos menos positivos, desvirtuamos o conceito de “amar”. Confundimos com posse, ciúme e manipulação. Independentemente do papel que desempenhamos, activo ou passivo, estamos sempre condicionados pelas referências que tivemos. É um grilhão que arrastamos e que, com o passar do tempo, vai-se tornando cada vez mais “confortável”. A ingenuidade é tanta que chegamos a acreditar ser aquilo que é suposto. A vida é “mesmo assim” e ousar pensar o contrário não se apresenta como hipótese. Perdemos a inocência e perpetuamos um círculo vicioso que tarda em findar. Daí ser tão frequente os agressores e as vítimas de hoje terem crescido num ambiente em que este era o único “amor” que existia
Tão grave como o perdurar deste comportamento, só mesmo os anticorpos que se criam em torno do amor real, o único que existe verdadeiramente. Tal como as vitaminas e os minerais, o nosso coração desaprendeu a absorver todo o carinho, afecto e gentileza que pode receber. Preferimos insistir no registo que conhecemos e que, apesar de tóxico e nefasto, pelo menos sabemos com o que contar. Infelizmente, em equipa que perde, nem sempre se mexe. O ser humano tem este perigoso handicap. Lidar com o desconhecido e recear a mudança, normalmente, sobrepõem-se sempre à dor. Principalmente àquela que é suportável e que, mal ou bem, vai dando para suportar.
É urgente resgatar a inocência, voltar a sonhar, despir os preconceitos e assumir que saber amar é tão importante como permitirmos ser amados. Não podemos esperar que o amor entre na nossa vida, se continuarmos entrincheirados no medo, no rancor e na insegurança. Fruto da herança social e religiosa que recebemos, estamos mais formatados para dar do que para receber. Curiosamente, parece mais fácil cuidar do outro do que de nós próprios. Subjugamos as nossas necessidades às vontades de terceiros. Queremos ser boas pessoas e esquecemo-nos de ser bons para connosco. Falhamos o ouro ao não colocar-nos em primeiro lugar. O famoso “sábio egoísta”, como tão bem dizia o eterno Agostinho da Silva. Saber receber ajuda, atenção e amor não é egoísmo, mas sim uma prova de humildade e de humanidade.
Vamos impor limites, deixar de tolerar o inaceitável e reger-nos por uma regra apenas: se não me faz bem, não é para mim.