Cantinho do castigo
Quando me pediram para escrever sobre a participação jovem na política, comecei por torcer o nariz (uma coisa que quem me conhece saberá que faço particularmente bem). Não gosto de me definir como jovem, tanto porque as pessoas me costumam dar mais 10 anos do que tenho (no mínimo) como porque acho que é um rótulo que serve para me limitar. Como sou jovem, vou falar de participação jovem e não de política norte-americana ou de comportamentos eleitorais transnacionais, coisas em que efetivamente me especializo.
Sou, portanto, mais um comentador jovem a falar de temas de jovens, no caso sem muito para acrescentar sem ser a minha perspetiva pessoal. Seria importante como ponto prévio perceber que esta limitação que se faz aos jovens, às mulheres ou às minorias étnicas nunca serve para quem controla os media. Queremos a opinião de Paulo Portas como especialista em tudologia, nunca lhe pedindo a perspetiva de um homem branco de meia idade sobre os desafios do seu grupo demográfico.
As vozes que não controlam a narrativa mediática não são “normais” e portanto têm de se cingir aos temas que a sua identidade demográfica permite. Só os homens de meia idade ou as pessoas com doutoramento é que podem dizer coisas, numa perpetuação de perspectivas enviesadas pelo privilégio ou pela cultura de mosteiro que absorveu as universidades, produzindo pessoas particularmente brilhantes a não terem contacto com a realidade (salvo louváveis excepções).
Aqui está o segundo pensamento que me ocorreu para justificar que os jovens não se interessem por política: a linguagem em código. Quem comunica política não comunica em português, comunica uma espécie de calão cheio de duplos significados e referências com décadas, que foi sendo construída pelo mesmo grupo de pessoas que se interessa pelo fenómeno há 40 anos. Para eles, é evidente o que é que significa usar a expressão “pôr o socialismo na gaveta” ou “tapar os olhos e pôr a cruzinha”, mas essas referências são mais antigas que qualquer eleitor com menos de 35 anos.
A isto se junta a linguagem elitista e a incapacidade de transmitir ideias dos nossos monges da academia, que o isolamento também condenou a um dialeto próprio, cheio de subterfúgios e outras palavras tipo “subterfúgio”. Isto tudo enquanto debitam orgulhosamente conhecimento que lhes levou décadas a alcançar e agora levará a um puto como eu uma tarde no YouTube para igualar.
E isso nem é o pior.
A comunicação política considerada “jovem”, normalmente associada à IL ou ao BE, não passa ou de uma série de referências de pop culture dos anos 80 ou táticas de design do início da década passada. Acho que já ouvi mais vezes a Taylor Swift do que Pink Floyd e a verdade é que não tenho grande interesse por nenhum. Tinha achado mais graça a um cartaz com uma referência ao álbum novo da Arlo Parks, que estive a ouvir em loop. [o editor desta crónica também estava a ouvir Arlo Parks enquanto a editava]. Mas ninguém ia perceber, porque abaixo dos 30 já é muito difícil fazer referências de “pop culture” que sejam perceptíveis para muita gente e não envolvam memes. Somos uma geração com gostos muito segmentados e pouco sentimento de pertença coletiva, mas sim, o que é jovem são expressões populares que o meu avô usa e álbuns que o meu pai ouve.
E com isto, chegamos aquilo que eu acho o fator menos útil para a participação jovem na política: a juventude partidária. Digo isto, aliás, como membro de uma, que gostava muito de mudar. As juventudes partidárias, apesar das vantagens que podem ter para a compreensão das complexidades do mundo político, são por isso mesmo uma maneira de perpetuar os comportamentos que afastam as pessoas da política. São campos de treino de autómatos sem opinião, cujo único objetivo se torna ganhar eleições pela graça de ganhar eleições. Assim, interessa pouco pensar e muito menos dar opiniões, não vão elas afetar esse objetivo.
Funcionam duplamente como redomas que permitem aos mais velhos não ter de concorrer com talento jovem até aos 30 e como máquinas de envelhecimento. Uma espécie de “Kidzania” da política, em que jovens se vão progressivamente transformando em velhos na maneira de pensar, falar e até na aparência à medida que os tentam imitar. Tornam-se também maneiras dos “adultos” projectarem o seu poder, usando jovens mais influenciáveis para conseguir formar grupos de poder subalternizados que depois são muito úteis pela sua quota parte na definição de listas de candidatos.
Os jovens não participam na política porque não os levam a sério, não falam a sua língua, não lhes querem explicar as coisas e não os querem como ameaça à estabilidade do sistema. Assim, mesmo os jovens que conseguem chegar a posições de representação acabam de ter de fazer a cedência de ser “mais sérios”, como se fosse defeito querer mudar tudo aos 20. Se queremos jovens na política, alguém terá de falar para eles e representar a sua identidade, sem se deixar limitar por ela.
Infelizmente, a apatia é geral, os vícios precisam de mobilização para ser mudados e no geral as pessoas que não são jovens estão satisfeitas com este estado de coisas, apesar de fingirem ultraje com números de abstenção. Eu continuarei na luta para nos tirar deste cantinho do castigo. Quem me quiser ajudar pode-me mandar DM no Instagram.