Sofrer por antecipação: fatalidade ou escolha?
Logo à partida, literalmente, a palavra “preocupação” denuncia a sua derradeira intenção: ocupar-nos antes do tempo. De uma perspectiva silábica, torna-se fácil concluir a fraca utilidade deste acto. Sofrer por antecipação pode apresentar-se como um aperitivo para o que, alegadamente, há de vir. Uma espécie de preparação para o embate. Uma remoção completa do factor surpresa. O problema é que nem sempre o sofrimento principal chega a ser servido, o que faz levar-nos as mãos à cabeça e questionar o excesso de zelo. Se acontecesse tudo o que nos atormenta, muito provavelmente já não estaríamos aqui, não é? Apesar de a taxa de acerto ser bastante baixa, porque insistimos em recorrer a este pouco eficiente mecanismo? Somos controlados pelas preocupações ou podemos controlar o que nos preocupa?
Tentar antever o desfecho daquilo que vai acontecer retira-nos do momento presente. Entramos num exercício exaustivo de ponderação, análise e especulação que, como seria de esperar, deixa-nos profundamente ansiosos. A ansiedade é uma das principais manifestações da não aceitação do desconhecido, do incerto, do que pode ou não acontecer. Além de seres mortais, finitos no tempo, somos também limitados pelas características intrínsecas à condição humana. Ainda existe uma profunda dificuldade em assumir a nossa vulnerabilidade, fragilidade e exposição a um mundo em permanente mutação. A negação destes traços existenciais enaltece a insegurança que sentimos diariamente. Semelhantes a um ditador que, perante o receio que o assola, procura controlar tudo e todos, não vá a realidade colocar a nu o seu tremendo pavor. À nossa escala, obviamente, também procuramos ditar o compasso daquilo que acontece, preocupando-nos em demasia com inúmeros acontecimentos que fogem à nossa área de influência.
A dificuldade em encontrar o caminho do meio levou-nos a polarizar esta questão. Ora estamos em estado de alerta permanente, o que tantas vezes se confunde com responsabilidade e cautela. Ora somos despreocupados, um adjectivo que, socialmente, remete-nos de imediato para uma ideia de desleixe, negligência e inconsequência. Compreendemos com maior naturalidade uma pessoa que se preocupou em excesso, do que alguém que, perante o caos iminente, conseguiu manter a serenidade. A inquietação é aceite pelo colectivo e pouco questionada, daí perpetuarmos um comportamento tão nocivo para a nossa saúde. Pensamos demais e sentimos de menos. Alimentamos ideias, cenários e suposições que, custo o que custar, têm a precoce obrigação de desvendar-nos o futuro antes do tempo. Apoiamo-nos na razão como se fosse a derradeira detentora de todas as respostas. Apesar de também ser bastante útil, a verdade é que a lógica não consegue levar-nos a todo o lado. Forçá-la a desempenhar uma função para a qual não foi concebida é o mesmo que esperar curar uma doença rara com um comprimido de paracetamol. Simplesmente não dá.
“Perdemos a vida quando pretendemos resgatá-la à custa de demasiadas preocupações”, disse William Shakespeare. Perante a incerteza do amanhã, tudo o que nos resta é esperar pacientemente e criar as fundações para um futuro próspero. A consistência destas bases está dependente da qualidade com que encaramos o presente. Precisamos de estar aqui e agora. Quanto maior for a nossa entrega ao instante que estamos a viver, menor será a necessidade de vasculhar no passado ou de ir espreitar o futuro. Ironicamente, a preocupação em excesso acaba por surtir o efeito exatamente contrário. Queremos tanto que tudo seja perfeito, maravilhoso e imaculado que desaprendemos a relaxar. Um artista que entra em palco focado em tudo o que pode correr mal, como irá conseguir soltar-se e desfrutar da sua performance?
Não é por nos preocuparmos demais que vamos viver melhor. Não é por estarmos sempre alerta que vamos ser melhores profissionais, pais, amigos ou namorados. Não é por vivermos em constante sobressalto que os imprevistos vão deixar de acontecer. Se estivermos sempre com o coração nas mãos, como é que ele pode bater descansado?