Vergonha que não é alheia
Pertencer a um partido grande é um desafio para um individualista. Parte de fazer política e exercer responsabilidades passa por fazer compromissos, muitas vezes com pessoas com que não se concorda. Quando estás num partido presente em todo o território, que junta muitos portugueses dentro de si, difícil seria gostar de todos e concordar com todos. Raios, nós nem nos conseguimos dar bem com toda a gente na nossa família, quanto mais no nosso partido.
Vejo um partido destes como uma importante escola de realidade, onde compreendemos que o Mundo não é só composto por pessoas que concordam connosco nem só pessoas parecidas connosco. Quando queres ter poder para mudar alguma coisa, tens de saber ser abrangente e ceder a pessoas que podem não ser as tuas preferidas, mas que no fundo confias que querem o melhor para o País e querem remar mais ou menos para o mesmo lado que tu.
Entrei no PSD porque acredito que precisamos de uma mudança que seja mais exigente com o aparelho do Estado e com a sua importância na economia do que aquela que poderia oferecer o PS. Entrei, portanto, porque tinha uma visão integrada sobre os problemas que existiam e o que queria que mudasse. Uma visão que não se focava em folclores de ódio à esquerda ou preocupações com impor os meus valores aos outros. Queria saber de coisas de dia-a-dia, de gestão do Estado, de política no seu estado mais prático, que queria ver feitas de forma diferente.
Entrei com a expectativa que esses objetivos eram alargados e partilhados o suficiente dentro do partido para me integrar nele com facilidade. Tal como entrei acreditando que era um sítio para se fazer política a sério, para ter responsabilidades e saber responder por elas e não para andar a discorrer teoria política. Para isso tenho os meus amigos e as conversas de café.
Depois de entrares num partido, chocas sempre com uma primeira realidade dura. A de que há menos gente do que esperavas que está ali porque tem ideias, e mais gente do que esperavas que está ali porque tem interesses. Que o foco em estar no poder é por vezes mais valorizado do que a ideia do que fazer com ele. Isso desilude-te, mas dá-te consciência. Consciência de que se tu não estiveres ali a lutar por aquilo em que acreditas, as pessoas que estão a fazê-lo ficarão mais sozinhas e as pessoas que estão pelos interesses continuarão lá na mesma.
Faz-te perceber as cedências que estás disposto a fazer para não traíres quem faz a caminhada contigo e as linhas vermelhas que traças para que não traías os teus valores morais e consigas dormir à noite. Podem chamar-te puritano à vontade, mas se estás na política e comprometes os valores com que entraste, já não estás lá a fazer nada.
É por isso importante para mim deixar clara a minha vergonha que não é alheia. Dizer que é inaceitável para um partido que se diz humanista ter sequer a iniciativa de candidatar uma pessoa que distorce factos para desumanizar pessoas, só porque vê nelas uma ameaça. É inadmissível candidatar uma pessoa que faz uma carreira de gozar com pessoas com quem discorda (vêm-me à cabeça os comentários sobre a gaguez de uma deputada) e que se faz de forte atacando os mais vulneráveis. Lá está, uma pessoa que não diz o que diz com base em ciência ou objetivos nobres, mas porque acha que isso a vai manter relevante, lhe vai dar atenção e por consequência dinheiro. Uma pessoa que tem a clara noção de que se não for uma atração de circo (mediático) não tem capacidade para ser mais nada.
Isto parece que não está ligado com o que falava antes, mas a ligação é fundamental. Se a sociedade civil abandona os grandes partidos abrangentes, deixando-os desertos de ideias, mas terreno fértil para oportunistas e pessoas que não conseguiam fazer nada melhor da vida do que exercer cargos políticos mesmo que tentassem, vai ressentir-se.
O PSD na Amadora, e um pouco por todo o País, é uma estrutura oca, desligada da realidade e interessada apenas na auto-promoção e no clubismo mobilizador de quem ainda tem pachorra para os ouvir. Isto é culpa de todos os que não tiveram tempo para dar aos partidos e deixaram que eles ficassem entregues a quem não percebe o perigo de traficar medo e mentiras, porque já só quer saber de se manter relevante. Os melhores vão saindo, mas a mediocridade fica sempre, até porque não tem para onde ir.
O partido em que eu me revejo tem muitas falhas e cometeu muitos erros, mas é bom que ao menos vá aprendendo com eles. É particularmente trágico-cómico vermos uma repetição de uma estratégia que há 4 anos em Loures veio minar a nossa Democracia, levando-nos a pensar que a mediocridade não era de facto uma coisa pontual, mas um problema geral. O PSD candidata Suzana Garcia também por decisão do seu líder, que supostamente rejeita os extremismos e os populismos, dando mais um tiro na sua frágil credibilidade. Puxado o gatilho, é bom que o tiro ao menos faça barulho. É bom que as pessoas que se reveem nesta ou noutra área política percebam que se não participarem o mais provável é termos mais tragédias destas. Quem gosta da Democracia deve ouvir esta revolta e desilusão como um desafio. O que está oco e deserto rapidamente pode ser transformado e melhorado. O espetáculo só continua triste se nós nos recusarmos a tomar conta da realização.