Onde o Rúben foi, foram mesmo todos
“Dez milhões de euros por um treinador? Mas está tudo doido?”. Esta foi uma frase proferida por grande parte dos adeptos do Sporting Clube de Portugal quando o clube anunciara a contratação de Rúben Amorim em Março de 2020. A operação levou a que o treinador, ainda sem o nível IV (UEFA Pro), que estaria a ter um começo empolgante no Sporting Clube de Braga (já com um troféu no bolso), fosse o terceiro mais caro da história do futebol mundial. Um aglomerado de treze jogos não seria de todo um critério suficientemente forte para um investimento de dez milhões de euros e, pelo historial das constantes experiências algo exuberantes de treinadores no Sporting, tudo indicava que uma loucura destas só poderia acabar mal. Na sua apresentação o próprio defendeu-se quando foi abordado pelos jornalistas: “Perguntam, e se corre mal? E eu faço a pergunta, e se corre bem?”. Hoje, ao fazer-se uma retrospectiva podemos concluir que, para além de grande parte dos adeptos e comentadores desportivos, Rúben Amorim estava igualmente enganado. Dizer que a recente época correu apenas e só bem para o Sporting é ser demasiado conservador na sua análise.
Desde a última conquista do campeonato em 2002, os adeptos do Sporting viveram momentos de angústia e de desespero que fizeram deixar de acreditar de que fosse possível levar novamente o clube à glória, mas nunca perdendo o interesse e paixão pelo mesmo. As taças de Portugal e outros pequenos troféus entretanto conquistados, não eram suficientes para mascarar uma série constante de frustrações e desilusões ao longo de vários anos. No seu todo podemos incluir uma final da Taça UEFA perdida em casa depois de um campanha notável na prova, vários anos do “quase” em que o Sporting ameaçou mas que nunca deram em nada, uma época com a pior classificação da sua história que levou a que o clube ficasse fora das competições europeias, outra época em que fazer um campeonato extraordinário com um total de 86 pontos não chegou para se sagrar campeão, e ainda um acto criminoso com a invasão violenta de adeptos à academia após o falhanço de objectivos desportivos. Depois de tudo isto, vinha aquela que supostamente seria a cereja no topo do bolo do descalabro: a contratação de um treinador que nem curso tinha por uns belos dez milhões de euros com juros adicionais e ainda o maior período de jejum do clube no que toca ao campeonato nacional. O que é que poderia mais acontecer na vida de um sportinguista que estava sempre condenado ao fado do fracasso e do constante sentimento do nunca mais? O que faltava mesmo era uma surpresa quase inesperada e utópica, que resultou no enorme sucesso de Rúben Amorim no comando da equipa.
Houve quem desdenhasse mais de Rúben Amorim, não tanto pela quantia envolvida na sua contratação, mas pelo facto de ter feito parte da sua carreira como jogador no principal rival, o que fazia torcer ainda mais o nariz aos sportinguistas. Apesar de se assumir como um profissional do futebol e de nunca ter escondido o seu passado, não seria fácil conquistar os adeptos depois de uma época já praticamente dada como perdida. E com o pódio não alcançado (sendo ainda possível), essa conquista seria mais difícil. A pandemia também fez das suas no início da nova época e, com uma pesada derrota que ditaria a eliminação das competições europeias, esta seria novamente mais uma temporada para esquecer. Rúben Amorim olhava para o lado e sorria, e começava então a colocar a equipa a jogar “jogo a jogo” conforme a sua vontade. Em cada conferência de imprensa mostrava uma enorme perspicácia, tendo sempre a resposta na ponta da língua, conseguindo escapar às rasteiras de alguns jornalistas. A sua postura humilde bem como o modo honesto como abordava as perguntas, por vezes com grande sentido de humor, iam aos poucos conquistando os adeptos, ainda para mais, quando a equipa ia conquistando pontos a cada jornada. Num jogo em Famalicão, após uma confusão no túnel que envolveu alguns dos jogadores do Sporting, Rúben Amorim proferiu uma frase que acabaria por resumir a temporada: “Na equipa do Sporting onde vai um, vão todos. E será assim até ao fim do campeonato”. E foi mesmo.
Falou-se de estrelinha, de sorte, de arbitragens, de casos disto e daquilo, de tudo e mais alguma, e Rúben Amorim, cauteloso, nunca se assumia como candidato ao título. Perante o orçamento e historial dos dois grandes rivais que acabaram por monopolizar o campeonato, o próprio sabia que as suas armas eram diferentes e que seria difícil alcançar tal feito, mas não era impossível. Conseguiria revalidar o troféu que conquistou no ano anterior pelo Sporting de Braga, e as coisas tomaram o rumo para que a época corresse bem como o Rúben Amorim equacionara no início, apesar da eliminação precoce da Liga Europa e posteriormente da Taça de Portugal. Algum tempo depois, viu um avanço de dez pontos reduzir-se a quatro e tudo começava a tremer. Houve quem dissesse que a imaturidade da equipa, pelo facto de ter uma enorme quantidade de jovens da formação, iria conduzir a um descalabro final quando tudo parecia estar garantido. A verdade é que perderia pontos onde os rivais também viriam a perder e, pouco e pouco, conseguia bater recordes de invencibilidade quer a nível interno quer externo, recuperando os pontos que perdera. Tudo graças ao ambiente e espírito de uma equipa, numa enorme simbiose entre jogadores e treinador. O caminho seria em frente e só assim é que o clube poderia conquistar o título. O treinador seguia em frente, os jogadores seguiam em frente e os adeptos acreditavam que seria possível terminar a época na frente.
Rúben Amorim, como principal líder de uma equipa que conjuga jogadores, preparadores, roupeiros e afins, fez com que os sonhos de muitos se tornassem novamente numa realidade. Fez com que muitos jovens sportinguistas vissem pela primeira vez o seu clube campeão. Fez refrescar as lembranças de outros que o viram pela última vez ainda andavam na escola primária. Fez recordar nos mais velhos os tempos de glória dos cinco violinos que fez do Sporting um gigante do futebol. No fundo, acabou por demonstrar que após tantos anos de escuridão, o clube mantém-se vivo e bem vivo. As gerações passaram, e o Sporting manteve a sua forte massa associativa mesmo estando quase duas décadas sem vencer o campeonato nacional. Hoje as ruas enchem-se de cânticos, festejos, gente louca e apaixonada pelo seu clube, apesar da tempestade pandémica que se vive. “Onde vai um vão todos”, este foi o lema da equipa do Sporting que tornou possível a reconquista de um título que há muito os adeptos ansiavam, graças ao esforço, dedicação, devoção e glória de uma equipa unida e que acreditou até ao fim. É caso mesmo para dizer que, onde o Rúben foi, foram mesmo todos. E foi assim que se escreveu uma das mais belas histórias do futebol português que será, certamente, para sempre recordada.