Bruno Pernadas e a sua big band moderna
A música de Bruno Pernadas sempre soou rica. As suas composições luminosas pejadas de detalhes, tanto líricos como musicais, enchem-nos os ouvidos sem pesar. Mas vendo o seu nome solitário em cartazes ou nas capas dos seus discos, por vezes pode ser fácil ignorar a quantidade de labor humano que preenche as suas canções, até vermos o conjunto massivo de 10 músicos que pisaram o palco da Culturgest no passado fim-de-semana, em Lisboa. O motivo foi a apresentação do mais recente disco do artista, Private Reasons, dividida em duas datas, de modo a suprir a procura que resultou na sala cheia que recebeu o concerto de braços abertos e dele se despediu com uma ovação em pé.
Quem já tenha visto Bruno Pernadas e o seu ensemble ao vivo antes, estará familiarizado com a sua química e a aparente facilidade com que envolvem o público nas tramas espaciais ou fantásticas de Those Who Throw Rocks at Crocodiles Will Be Asked to Retrieve Them ou How Can We Be Joyful in a Word Full of Knowledge? Ora, esta vez não foi excepção. O líder e banda tocaram brilhantemente, ainda que se tenha notado uma destreza especial nos mergulhos ao passado, sob a forma de “Spaceway 70” ou o ponto alto do concerto e canção que fechou o concerto antes do encore, “Galaxy”. Mas já lá vamos.
O descritor utilizado mais acima para as composições do músico, “luminoso”, não foi por acaso. Ao longo do concerto, sentiu-se a luz que emanava do palco sob a forma de música, sob diferentes formas. A mais evidente foi de uma das grandes canções de Private Reasons — e também do concerto — “Lafeta Uti”. O frenesim do seu afrorock evocou um calor abrasador, através do ritmo nervoso e compulsivamente dançável da bateria de João Correia e das vozes entrecruzadas do coro, que pareciam cantar ao contrário (e talvez até o estivessem a fazer), amaciados pelo baixo possante de Nuno Lucas. Noutra vertente, “Family Vows” recordava o sol vespertino e longas viagens de carro, numa versão mais envolvente do que a ouvida em disco, o que foi uma muito boa surpresa.
Aliás, quase todas as canções suplantaram as versões de estúdio, muito graças à meticulosidade dos músicos em palco, que não descuraram nenhum pormenor, assim como à óptima mistura de som (a cargo de Tiago Sousa). Talvez apenas “Jory II”, cantada principalmente por Minji Kim no seu coreano nativo, tenha perdido algumas das suas valências de estúdio, como uma certa placidez potenciada pelos belos sintetizadores e guitarra amena. No entanto, foi maravilhoso sentir o tempo a congelar e a atenção plena do público durante a recitação do poema que antecede a canção, cujas estrofes surrealistas são da autoria de Catarina Barros. A projecção do poema foi dos poucos momentos em que o cenário não foi colorido, tornando-o especialmente impactante.
“Little Season” destacou a afinada e delicada voz de Margarida Campelo, que, de resto, foi o complemento ideal para Bruno Pernadas. As suas múltiplas teclas adornavam as canções, assim como as bonitas harmonizações com o coro constituído por Minji Kim, Francisca Cortesão e Afonso Cabral. Na mesma canção, Diogo Duque impressionou ainda com um solo de flauta transversal entusiasta, aplaudido pelo público. Sob a direcção de Bruno Pernadas, há espaço para todos os elementos brilharem.
Depois de algumas apresentações que demonstraram o apreço do líder pela sua banda, voltamos então a um dos épicos de Those Who Throw Objects…, “Galaxy”. Os seus quase 9 minutos rapsódicos lembraram momentos mais jazzy após a orquestra pop que dominou o concerto, com as passagens mais rítmicas a entusiasmar público e banda (o baixista e o trompetista Diogo Duque aproveitaram para saltar de forma frenética). O crescendo de intensidade revelou-se num acelerar da canção, que navegou até à meta final na viagem espacial sugerida pelo título. Foi difícil ficar sentado, mas duas máquinas de fazer bolhas de sabão ajudaram-nos a voltar a um estado de espírito mais contemplativo, à medida que as bolhas enchiam o espaço livre do palco, iluminadas pelos holofotes que as faziam assemelhar-se a pirilampos rubros.
A decisão de embelezar o palco com muitas cores foi bastante acertada, pois este era um espectáculo que se queria vivo, em todos os sentidos. A simétrica disposição dos artistas foi um prazer de admirar, e até as suas roupas compunham um arco-íris reminescente da capa de Private Reasons, ainda mais evidente aquando dos costumários agradecimentos em fila.
A hora e 15 minutos com que o público foi presenteado não foi suficiente para navegar pela extensa setlist e ainda cumprir com as normas da DGS, que estipulam a finalização de todos os espectáculos até às 22:30. Tivemos direito à primeira metade do encore, a cargo de “Fuzzy Soul”, com a participação especial de Moritz Kerschbaumer na narração. Canção bonita, mas ligeiramente anticlimática depois do êxtase de “Galaxy”. Com pena nossa, tivemos de imaginar o final, que Bruno Pernadas prometia ser explosivo. Tendo em conta o concerto que o antecedeu, não nos surpreenderia.