Harmonização fiscal
A crise económica causada pela pandemia da Covid-19 trouxe de volta para o espaço público o debate acerca da política fiscal europeia.
A receita fiscal é essencial para assegurar uma recuperação sustentada em todo o espaço europeu, bem como para garantir o pagamento dos créditos contraídos no âmbito do pacote Next Gen EU, que visa disponibilizar apoios aos estados-membros num montante total de 750 mil milhões de euros, entre subvenções e empréstimos.
Os impostos, sendo a principal fonte de receita dos estados, representam um veículo de prossecução dos valores europeus da solidariedade e da fomentação de um modelo de bem-estar social na UE.
A existência de políticas fiscais coordenadas para garantir que todos os contribuintes pagam a justa quota de imposto é, assim, fundamental de forma a que os estados disponham dos recursos necessários para implementar políticas que garantam uma recuperação económica sustentada no espaço económico europeu.
Não obstante, os sistemas fiscais europeus (e mundiais) não têm acompanhado a evolução da realidade económica global, algo que ficou ainda mais latente com a pandemia. Os referidos sistemas enfrentam assim desafios que, em última análise, têm impacto na receita fiscal arrecadada.
Entre estes desafios está o surgimento de novas realidades, como a desmaterialização dos negócios ou o trabalho remoto que, pela sua natureza, exigem uma política fiscal concertada, sob pena de saírem prejudicadas todas as partes envolvidas: os contribuintes que não contam com um acervo de regras harmonizado e determinados estados-membros que perdem receita fiscal.
Por outro lado, quanto mais complexos e menos harmonizados forem os sistemas fiscais, mais oportunidades surgirão para os contribuintes com maior poder económico que, nessa qualidade, têm também maior capacidade para explorar as incongruências entre os diferentes sistemas fiscais. As pequenas e médias empresas, assim como as pessoas singulares, são por isso as mais afetadas pela complexidade dos sistemas fiscais.
Porém, e apesar da existência de um mercado único na UE, que garante a livre circulação de pessoas, serviços, bens e capitais, a implementação de políticas fiscais comuns é ainda um campo desafiante da integração europeia.
O principal motivo para a falta de consenso entre estados-membros está relacionado com o facto de as políticas fiscais serem utilizadas como instrumento de atração de capitais estrangeiros. Este fenómeno é particularmente relevante em economias de menor dimensão, como o Luxemburgo e Malta, que veem na fiscalidade uma forma de se tornarem mais competitivas.
Apesar de já existir harmonização do IVA a nível europeu, a aprovação de políticas fiscais relativas a impostos diretos (e.g., impostos sobre o rendimento) é ainda considerada um elemento central da soberania de cada estado-membro. Por esta razão, qualquer alteração (por via de diretiva) no sentido da harmonização, está sujeita a aprovação por unanimidade dos estados-membros no Conselho da UE, unanimidade essa que tem sido difícil de alcançar, tendo em conta os diferentes interesses em jogo.
Após ter sido confirmada como presidente da Comissão Europeia (“CE”), Ursula Von der Leyen reconheceu que a falta de harmonização das políticas fiscais no mercado único é, em si mesma, um obstáculo ao crescimento económico na UE. Von der Leyen comprometeu-se em enveredar esforços para acionar as cláusulas dos tratados que permitem aprovar alterações à política fiscal na UE, por via de maioria qualificada no Conselho, de modo a tornar o processo de decisão a este respeito mais eficiente e célere.
Propostas como as recentemente apresentadas pela OCDE e a reforma fiscal promovida pelo presidente Biden no sentido de se instituir a tributação mínima a nível internacional, reforçam a importância de uma política fiscal europeia que seja simultaneamente harmonizada e competitiva. Uma eventual reforma fiscal na UE deverá, portanto, procurar o equilíbrio ideal entre harmonização e concorrência de modo a acomodar os interesses da maior parte dos estados-membros e acautelar os impactos negativos sobre as economias menos competitivas.
Neste contexto, revelar-se-á fundamental o trabalho desenvolvido pelas instituições europeias no contexto da comunicação publicada pela CE no passado dia 18 de maio (Communication on Business Taxation for the 21st Century), que apresenta medidas que apontam à harmonização e reforma dos sistemas fiscais europeus.
O próximo passo da integração europeia passa fundamentalmente pela integração fiscal. Passo a passo na busca de sistemas mais justos e eficientes que permitam concretizar o projeto do mercado interno e continuar desta forma o caminho para sociedades europeias mais justas, prósperas e cooperantes.
Crónica de Tomás Le Terrien Fragoso
Consultor de fiscalidade Internacional da Deloitte. Jurista e entusiasta de política fiscal europeia e geopolítica.
O Tomás foi o primeiro a enviar este artigo sobre a política que se faz em Bruxelas. Se quiseres participar neste desafio e parceria da Praça do Luxemburgo e da Comunidade Cultura e Arte envia o teu artigo para: pracadoluxemburgo@gmail.com