André de Freitas, o Vasco da Gama da comédia
André foi, até agora, o único comediante português a atuar na célebre Comedy Store — uma das melhores casas de comédia do mundo — em Los Angeles e já atuou em mais de 10 países. Em 2019, abriu dois espetáculos de “Pale Tourist”, tour do famoso comediante americano Jim Gaffingan.
“Tenho lidado mal com a falta de palco”, confessou o humorista oriundo de Guimarães, devido à falta de oportunidade, causada pela pandemia, de fazer o que faz melhor… atuar.
No entanto não baixou os braços e aproveitou este entrave para se dedicar a outros projetos, na área da criação de conteúdos digitais e no guionismo. Lançou no seu canal de Youtube no final de 2020, a série “World Citizen”, com a ajuda do fotógrafo Pau Storch. Como guionista escreveu uma longa-metragem e tem estado a desenvolver o guião de uma série fictícia inspirada na sua experiência durante os quatro anos que viveu em Londres. Fez também parte da equipa de escrita de Prisma, programa disponível na plataforma CordesFlix, juntamente com Rui Sinel de Cordes, Rui Cruz, Daniel Carapeto e Diana Duarte.
Com a gradual reabertura de salas de espetáculos pretende voltar a fazer-se à estrada, mas as fronteiras não serão obstáculo, tal como nunca aparentaram ser, e pretende continuar a atuar com regularidade fora do país.
André mudou-se aos cinco anos de idade para a Costa da Caparica, onde teve uma infância pacata. Como a maior parte dos miúdos da cidade, ambicionava ser surfista, sonho que caiu por água abaixo. Mais tarde viraria a sua atenção para a representação e entraria na Escola Profissional de Teatro em Cascais, por onde teria uma passagem fugaz, muito devido ao facto de se ter, por volta dos 18 anos, apaixonado pela comédia. Pouco tempo após a sua primeira atuação, atuação em que os nervos lhe trocariam as voltas e o fariam cair do palco do átrio do Villaret, inscreveu-se no curso de escrita humorística de Rui Sinel de Cordes, curso esse que amplificou o seu desejo de se tornar um comediante de clubes. O problema latente com que André rapidamente se deparou foi a falta de clubes de comédia em Portugal. Visando o entrave Rui aconselhou-o, num tom mordaz, a “ir lá para fora” e André foi.
Aos 18 anos pegou nas malas e num visto turístico de 3 meses que posteriormente não conseguiria renovar e foi para a Califórnia, apenas acompanhado pelo primo que vivia em Baltimore. No seu primeiro dia nos Estados Unidos, um indivíduo atirou-lhe um saco com dejetos para o carro, o que André considerou ser um bom presente de boas-vindas. Ao longo dessa semana, devido à sua maturidade e avultada capacidade de gerir fundos monetários, acabaria por gastar todo o seu dinheiro em tatuagens e a saltar de um avião. O resultado? Passar duas semanas a dormir no carro e a necessidade de se autopropor a cortar a relva dos residentes de Beverly Hills. Para voltar a Portugal, passados três meses, teve de pedir dinheiro a desconhecidos no aeroporto de Los Angeles, desconhecidos esses entre os quais estava Russel Brand, famoso comediante inglês.
A vaguear por Inglaterra
Em Portugal voltou a deparar-se com a sua velha amiga, a falta de oportunidade de atuar, e após uma efémera passagem pelo oeste da Península Ibérica, decidiu embarcar para Inglaterra, apenas com uma mala, um sonho e quatrocentos euros, o que em Londres, devido ao alto custo de vida lhe permitiria comprar uma sandes de manteiga e uma garrafa de água, com um empréstimo do banco.
No território da velha aliada, arranjou primeiro um sítio para atuar do que para dormir. Na sua primeira noite, dormiu num hostel e apercebeu-se que, em vez da sandes de manteiga, deveria ter comprado uma grande dose de resiliência no supermercado. “If you going to die, do it in silence” gritou com alguma veemência o seu colega de quarto perante o arrebatador ataque de asma que André sofreu. Arrebatadora foi também a quantidade de trabalhos que teve durante os seus quatro anos em Inglaterra, estima terem sido perto de vinte, desses, há um que relembra com maior carinho, ter sido vendedor de rua de bilhetes de paintball. Talvez por ter passado cerca de duas semanas a dormir debaixo das escadas do escritório enquanto juntava dinheiro para pagar um quarto, ou quiça por ter mesmo gostado de exercer a “profissão”. Foi durante essas lúgubres semanas que ponderou tornar-se acompanhante, tendo mesmo chegado a contactar uma empresa. Mas André reverteu essas andanças, e continuou a atuar, apesar de uma das vezes para zero pessoas, confessou. Mais de 500 atuações depois, é atualmente, um comediante regular em vários dos melhores Comedy Clubs da capital inglesa, como o TheTopSecretComedyClub, no BackYard Comedy e no Angel Comedy.
Voltou para Portugal o ano passado durante a pandemia e está determinado a dar-se a conhecer dentro do panorama nacional, mas acima de tudo quer “ajudar a construir uma comunidade humorística mais forte no país”. Visa os turistas como uma grande oportunidade de angariar público, algo facilitado devido ao facto de atuar maioritariamente em inglês. Vê como objetivo ajudar a colmatar as lacunas do percurso humorístico luso para evitar que os mais jovens se deparem com os problemas que o atingiram. Mas reflete sobre a necessidade da criação de um circuito forte, o aparecimento de um grande número de casas distribuídas pelo país que garanta oportunidades a todos os comediantes, realçando a necessidade de cooperação entre todos para chegarem a um objetivo benéfico tanto para os humoristas como para o público. Apesar das ambições nacionais, quer continuar com um pé lá fora a “elevar a bandeira portuguesa” [Risos], comparando-se, sarcasticamente a Vasco da Gama.
Artigo de Tomás Silva, aluno de Comunicação e Jornalismo.
O Tomás desenvolveu este artigo e fez esta entrevista no âmbito de um projeto de uma cadeira na Universidade.