‘The Beguiled’, de Sofia Coppola: Um filme bonito de se ver mas sem sumo
O que fazer com o novo filme de Sofia Coppola? Essa é talvez a pergunta que intrigará muitos do que assistiram à sessão de imprensa do inconsequente The Beguiled, o remake que a filha de Francis Ford Coppola fez do filme de Don Siegel, Ritual de Guerra, em 1971. Se essa justificação não bastasse para erguer o sobrolho ao ver a sexta longa metragem entrar na Seleção Oficial para a Palma de Ouro, o argumento de ser um “filme feminista” aumenta ainda a deceção por ter falta de sentido.
Rezam as crónicas que o festival até terá convidado Don Siegel para integrar a Seleção Oficial com o seu filme nesse ano, ainda que com a recusa dos produtores nessa adaptação do romance de Thomas Cullian. Tivesse The Beguiled integrado uma das sessões fora de competição, para trazer mais algum glitz & glam à Croisette, e ninguém questionaria a opção. Ou até na sessão de abertura. Assim sendo, temos uma nova presença de Nicole Kidman e Collin Farrel na competição, já que estiveram ambos no igualmente decepcionante Killing of a Sacred Deer, mas infelizmente para um segundo tiro ao lado. Mas também o segundo desagravo em Cannes, depois do espalhanço que foi Bling Ring: O Gangue de Hollywood, em 2013.
A narrativa segue, de resto, a mesma linha do romance original, com um soldado yank (Farrel) a ser recebido num internato feminino confederado, acabando por incendiar o coração das várias donzelas. Só que num registo totalmente previsível e só aparentemente púdico deste lugar onde reina a ordem e as preces, a par das aulas de francês, música e lavores. Só sabemos que existe uma guerra fraticida pelo ritmado ribombar dos canhões ao longe e por uma ocasional visita de militares.
Depressa o nosso tenente se instala e começa a atirar setas de cupido em todas a direções, despoletando quase de imediato a esperada tensão sexual por parte de Nicole Kidman, a diretora e mão forte do internato, mas também da mais contida Kirsten Dunst, ou da mais ousada Elle Fanning. Das mais novas, a curiosidade e o afeto pueril. Só que confundir esta mútua atração com alguma atitude feminista seria não só desadequado como profundamente erróneo. Até porque o final em que a sorte do tenente após um avanço mais audacioso lhe vale uma fatalidade inesperada.
Sejamos claros, The Beguiled não tem nem o peso das manas Lisbon em As Virgens Suicidas, na estreia da realizadora Coppola, em 1996, a credibilidade de O Amor é Um Lugar Estranho, apesar de todos preferimos o original Lost in Translation, ou até a ousadia excessiva de Marie Antoinette. Por aí se percebe alguma atitude e intenção feminina. Assim sendo, ficamo-nos por uma oportunidade gorada. Não só por Sofia, mas igualmente por não conseguir transmitir ao cast alguma chama de desejo ou atitude de manipulação. Desde logo porque percebemos que a atitude de deslumbramento e desejo por parte deste septeto de damas acaba por ser mais adequado a um romance de cordel, do que propriamente um original que já tinha originado um filme de qualidade indiscutível. Ficamos assim com um filmezinho bonito de se ver, com o peso de uma produção dos estúdios Universal. Mas sem sumo.
Crítica de Paulo Portugal, publicada no nosso parceiro Insider Film