Voltámos a sair à noite
Ou melhor, a poder fazê-lo.
Muitos são os jovens e adultos que querem voltar às esplanadas, aos bares e às pistas de dança. Muitos são também os que não o conseguem fazer. A pandemia deixou-nos um certo desconforto e até uma sensação de culpa ao estarmos em contacto com outras pessoas. Isto está a ser tudo muito estranho, não está?
Este texto é um convite a reflectirmos sobre as possíveis consequências emocionais da COVID-19 na forma de nos relacionarmos.
Nós que somos seres sociais, que precisamos de estar em contacto com um outro — desde a infância para termos saúde física e mental — fomos e estamos a ser confrontados com uma informação completamente antagónica à nossa natureza: a possibilidade de que estar em contacto com um outro pode vir a ser uma ameaça à nossa saúde física (e também emocional).
Passámos, em conjunto com o nosso Sistema Nervoso, a olhar para o contacto real e físico com um outro como uma possível ameaça. Em primeiro lugar, quero dizer-te que se te sentes desconfortável em voltar a socializar é normal e não estás sozinho/a. Eu também o sinto e tenho verificado que muitas pessoas que conheço também o sentem. Existem aqueles que antes da pandemia já sentiam uma certa “ansiedade social” e que agora relatam sentir ainda mais. Existem outros que adoravam estar rodeadas de multidões e que agora só de pensarem nesse cenário se sentem ansiosos. E ainda existem pessoas que inicialmente se sentem desconfortáveis, mas rapidamente perdem o desconforto.
É importante percebermos que não temos todos de fazer o mesmo, sentir o mesmo e ao mesmo tempo. Existe uma certa pressão social de que devemos fazer o que o outro faz, como faz e quando o faz. O mesmo em relação ao sentir. Como se houvesse uma data específica para alguém fazer ou terminar de fazer um luto, comprar uma casa ou ter um filho. Para quem não sabe: não existe uma data certa e muito menos uma errada.
Parece-me que de uma forma geral, todos sentimos — mais ou menos — um certo grau de desconforto em relação ao voltar a sair à noite. No início da pandemia o nosso Sistema Nervoso entrou em dissonância e agora volta a entrar outra vez. Se o nosso Sistema Nervoso falasse diria algo como: “Então, mas eu gosto de pessoas e preciso de pessoas, mas agora não posso estar ao pé delas? Então, mas e agora já posso? Afinal o que é que é uma ameaça!?”. É necessário gradualmente voltarmos a reeducá-lo.
Como é que isto se faz? De diversas formas. É imperativo percebermos que não somos todos iguais e que temos naturalmente limites diferentes. Perceber qual é o nosso limite e respeitá-lo talvez seja o primeiro passo. Por exemplo, sentes que precisas de socializar, mas não te sentes bem em ir já a um bar ou a uma discoteca? Não faz mal, não vás. Step by step. Começa por organizar um jantar com amigos, um número considerável de pessoas (número ao teu critério) e num ambiente em que te sintas confortável. Isto também é re-educar o Sistema Nervoso.
Voltaste a sair à noite e sentes uma mistura de alegria com medo? É natural. O nosso Sistema Nervoso precisa de tempo para processar estas e todas as mudanças. É necessário que possamos aprender que é normal sentirmos emoções diferentes (ou até contraditórias) em relação a sair à noite ou a outra coisa. Muitas vezes a ansiedade surge exactamente pela incompreensão de que podemos sentir alegria e medo ao mesmo tempo. Muitas vezes associada à ansiedade está também a culpa. Culpa do que fizemos ou do que não fizemos e culpa do que sentimos. Este texto não é uma promoção a sair à noite e muito menos ao isolamento. Este texto é um convite a reflectir sobre como todos podemos estar a viver este momento de forma diferente e que é totalmente natural. Da mesma forma que é natural sentirmos neste momento emoções contraditórias, culpa e/ou desconforto.
Associado ao desconforto está o aumento do consumo de álcool e substâncias. Não vai ser o álcool ou substâncias que vão fazer com que deixemos de sentir este desconforto. O que nos vai ajudar é aprendermos a re-educar o nosso Sistema Nervoso. É importante que cada um de nós consiga tomar decisões conscientes e benéficas para si e para os outros. E isto pode acontecer percebendo quais são os nossos limites. Podes ter a certeza de que os meus não serão iguais aos teus.
Voltámos a poder sair à noite. Alguns de nós, outros começaram agora a sair pela primeira vez.
Como será a experiência para quem está a iniciar este convívio com os seus pares? Será que terão noção de limites? Será que nós temos? Diria que todos temos um papel social em mostrar e ensinar aos mais novos que existe liberdade, mas que também deve existir responsabilidade. Antes da pandemia, durante e após.
Devemos ensinar-lhes é natural terem curiosidade e vontade de conhecer pessoas, de estar com pessoas e também de dançar com pessoas. Da mesma forma que também é natural, se for o caso, de sentir desconforto.
A forma como nos comportarmos agora, neste novo contexto pandémico, irá moldar o comportamento de inúmeros jovens que não têm absolutamente referência nenhuma do que é sair à noite e do que é estar em contacto com um outro.
Talvez caiba ao adulto (e aos adultos) ensinarem os mais novos de que socializar e sair à noite é importante e necessário. Que pode ser visto como um ritual, que deve existir, mas que existe responsabilidade. Os limites de cada adulto são os limites que cada adulto definir. Não há certo, nem errado. Mas existe o que é mais saudável para cada um de nós. Considero imperativo — hoje — ganharmos consciência sobre o que estamos a sentir, aprendermos a aceitar, re-educar o nosso Sistema Nervoso e percebermos também que o agora é o voltar para uns mas que é a primeira vez para outros.
Boas danças!
(A tua música favorita de fundo para dançares nas colunas de tua casa ou nas colunas de um bar).