Entrevista. Guilherme Duarte: “O rap é muito parecido com a comédia”

por Gustavo Carvalho,    21 Outubro, 2021
Entrevista. Guilherme Duarte: “O rap é muito parecido com a comédia”
Guilherme Duarte no podcast “Humor À Primeira Vista”. Fotografia: João Pedro Morais

Quando Guilherme Duarte fala sobre sexo é o Doutor G, agora que mistura música com humor é Gandim, um alter-ego rapper que “só quer fazer rir”. O humorista, que pintou o cabelo de louro para diferenciar a personagem, revela que o álbum de música humorística vai ter treze faixas originais, das quais já se conhecem seis. A produção dos temas esteve a cabo de Filipe Survival e conta com participações de artistas como Bárbara Tinoco e Cálculo. Na sua segunda passagem pelo podcast “Humor À Primeira Vista” diz encarar as músicas como “uma série de sketches que por acaso são em rap” e é através dos videoclipes e das letras que vai tentar levar o público ao riso.

Vamos já entrar nesta… personagem. Achas que é a melhor forma de nos referirmos ao Gandim?
Sim, acaba por ser uma personagem. Como o projeto é tão diferente do resto importa vincar bem a mudança (até visualmente).

Dirias que há uma história ou pelo menos há traços do Gandim que são diferentes dos do Guilherme Duarte?
Não tem uma história propriamente. Como eu acho que o rap é muito parecido com a comédia, já se permite às mesmas coisas. Se calhar tem ali mais uma parte de egotrip, que o rap tem muito, mas que a comédia também acaba por ter algumas coisas. Exacerba se calhar mais esse lado, dá para brincar mais com isso. No humor às vezes tem o contrário, mais autodepreciativo. Apesar de eu ter alguns temas que brincam com esse contraste. Vou ter uma música, que ainda não saiu, que é Gandim com Guilherme Duarte. Filmei antes da transformação visual.

Estavas a dizer que achas que há muitas semelhanças entre o humor e o rap. Quais especificamente?
Primeiro o processo de escrita é muito semelhante, pensa-se muito em punchlines, no ritmo, na cadência. É muito solitário, acaba por ser o gajo sozinho em palco, apesar de os rappers terem muitas vezes o hype men, que não há na comédia. Podia ser giro. O rap era um bocadinho o patinho feio da música, o stand-up o patinho feio das artes de teatro. E agora mudou um bocadinho pelas mesmas razões: passou a ser muito consumido por pitas betas de 14 anos (risos). Isso fez com que se tornasse mais mainstream, houvesse mais dinheiro, atraísse mais gente. O que é fixe.

Já se notava alguma influência do hip-hop e da música no teu trabalho. Nos teus dois espetáculos a solo tinhas momentos de rap. Esta ideia do Gandim já estava guardada na gaveta desde essa altura?
Surgiu mais agora. Eu tinha gostado de fazer isso. O processo de escrita atrai-me, é giro. Porque além de teres que ter atenção à parte cómica, à escrita, ainda tens mais outra peça do puzzle que é a métrica, as rimas. Se bem que nesses eu não tive tanto cuidado como tive agora. Mas tinha ideia de fazer uma ou outra coisa: lançar assim uma música ou um vídeo. Já tinha feito uma paródia no Natal há uns anos. Nunca tinha pensado fazer um álbum e muito menos uma coisa a sério, com um produtor musical. Tinha pensado que se calhar sacava uns beats da net, escrevia uma letra e fazia umas meio paródias. Mas comecei a escrever, escrevi uma música, tinha ideia para outra e pronto.

Quando é que começaste a escrever?
Nem sei bem quando é que comecei. Acho que já tinha algumas na gaveta, mas comecei a escrever a sério no primeiro confinamento. Tinha acabado o livro da cadela.

A Zaya tinha acabado de escrever o livro dela, o “Por Ladrar Noutra Coisa”.
Exato, depois pensei: “Se calhar não vai haver tour de stand-up.” Tínhamos o Doutor G em calha para gravar e acabei por me dedicar a isto e comecei a gostar do resultado. 

O realizador Pedro Bessa a dar indicações durante a gravação do videoclipe da música “(Com)Sentimento”. Fotografia: João Pedro Morais

Adaptaste-te facilmente ao tipo de escrita para rap, ou houve alguém com quem falaste do mundo do hip-hop para teres feedback?
Falei com alguma malta quando já tinha umas demos. Percebi que os rappers são ainda mais complicados que os humoristas. Mas tive bom feedback. Algum que era obviamente cordial também, mas eu tinha confiança nas rimas e nas histórias das letras.Não tinha confiança no meu flow, nas métricas. Em algumas partes o flow estava muito mecânico, acho que depois consegui melhorar isso. Então tive o feedback de algumas pessoas. Houve quem dissesse que estava muito fixe, que tinha rimas porreiras. Houve quem dissesse que a métrica estava toda lixada, que estava mau. Mas foi fixe ter esse feedback também, fez-me olhar para aquilo com olhos mais cirúrgicos. Mas de resto foi um trabalho muito sozinho, de ourives, de experimentar. Eu consigo perceber quando a métrica não está boa, apesar de não ser músico.

Usando um termo do mundo do hip-hop: tinhas receio de ser whack?
Sim, eu não quero ser rapper, começo por dizer isso até. Mas como gosto tanto de rap tuga e ouço desde sempre. É o que eu ouço mais. Quero acima de tudo respeitar, que não envergonhe, e que as pessoas ouçam e pensem que até não está mau, principalmente vindo de um humorista e não de um rapper. O objetivo é acharem que tem piada e que não está péssimo em termos líricos. 

Quem é que foi o produtor musical?
O Filipe Survival. Já trabalhou com muita gente, não tanto do hip-hop, mas com a Bárbara Tinoco, Fernando Daniel, Virgul, Blaya.

Nesta altura já saíram seis músicas. O álbum vai ter quantas no total?
Treze.

Quando é que vamos poder ver as restantes?
Não há timings ainda. Vai depender muito. Umas vão sair separadas agora. Outras saem dois a dois, mas a ideia é sair tudo até ao final do ano. Todas as músicas vão ter videoclipe associado, está tudo no meu YouTube.

A parte de realização dos vídeos foi pensada para o projeto ter uma indentidade?
Sim, eu encaro mais isto como uma série de sketches que por acaso são em rap. É mais como eu vejo isto, não como um álbum musical. Eu estou à espera que as pessoas vejam e ouçam a música como um sketche, e não que esteja ali nas playlists em repeat. 

O ideal é ver no YouTube?
Sim, acho que há muitas músicas em que o vídeo é essencial para acrescentar a carga cómica, que é o essencial. Há punchlines visuais em muitos dos vídeos. O vídeo se calhar vai acrescentar 50% da piada que é suposto aquilo ter. Ouvindo a música tens alguma coisa, mas tens de estar mais atento à letra, e às vezes no rap até é mais difícil. Tens de ouvir várias vezes. Podes não ser mau, dá audições. Fazer três vídeos, além de ser caro, dá trabalho. Mas tinha de ser, para cumprir o objetivo principal, que é ter piada. Não em todas as músicas, há uma ou duas que são mais sérias.

O Maxime foi o espaço escolhido para o videoclipe de “(Com)Sentimento”. Fotografia: João Pedro Morais

Que colaborações é que tens neste álbum?
Tenho a Bárbara Tinoco. Entra num tema que ainda não saiu. O Cálculo, rapper, que está na “Relação Estável”.

Com um bom refrão já agora.
Está incrível, ele é muito bom e um porreiro. E o Tji.

Que não é rapper.
Que não é rapper, mas também faz uns raps de vez em quando. E temos outra pessoa, mas como ainda não está gravado não vou dizer. Mas uma pessoa noutra música que vai sair. E participações muito pontuais. Quem já viu no “(com)Sentimento” o Valete entra um bocadinho, e no vídeo do “Cerelac” também.

Foi fixe ter essa participação de alguém que é uma referência no hip-hop nacional…
Sim, comecei a gostar de hip-hop a ouvir Valete. Ele e o Sam The Kid são os que mais admiro, entre muitos outros. Mas o Valete acho que foi o primeiro contacto mais próximo que tive com o rap em português. Lembro-me de estar num bar, em Lagos. Meteram a tocar o “Anti-Herói” e eu achei muito bom. Devia ter uns 17, 18 anos. Disseram-me que ele era da Damaia. Era meu vizinho, porque eu sou da Buraca. Comecei a ouvir, fui explorar aquilo e fiquei fascinado com as letras. Já o conhecia, tinha estado algumas vezes com ele, não muitas, mas já tinha feito algumas cenas com ele. Foi a primeira pessoa a quem eu mostrei as demos, ainda feitas em casa, que gravei com o telemóvel. Fui ao estúdio dele mostrar-lhe tudo. Foi um grande ego boost, porque vi ele a rir-se e a achar que estava fixe.

O “Humor À Primeira Vista” é o podcast sobre humor do jornal Expresso, em que Gustavo Carvalho entrevista pessoas ligadas ao mundo da comédia. Este episódio contou com a parceria da Comunidade Cultura e Arte.

Ouça a entrevista completa nas plataformas de podcast, basta procurar por “Humor À Primeira Vista”.

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