COP26: um teatro elitista com elementos de feira comercial e culto à morte
De 31 de outubro a 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia, adeptos do capitalismo fóssil — que, sem variar, sobretudo homens brancos do Ocidente — premeditam o maior crime contra a Humanidade: a catástrofe climática. Subidos ao púlpito, proferem palavras eloquentes e de urgência: “Falta um minuto para a meia-noite e precisamos de agir agora”, como afirmou Boris Johnson.
De acordo com a evidência científica, temos até 2030 para cortar 55% das emissões de gases com efeito de estufa a nível global. O relatório atualizado da UNFCC confirma que para todos os NDCs (nationally determined contributions) disponíveis das 192 Partes em conjunto representa um aumento de 16% nas emissões globais de GEE (gases do efeito estufa) em 2030 em comparação com 2010. Comparando com o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), esse aumento, a menos que seja alterado rapidamente, pode levar a um aumento de temperatura de cerca de 2.7º até ao final do século.
Mas, quanto mais falamos em cortar emissões, mais elas aumentam. Na verdade, a única coisa que aumenta mais rápido do que as emissões são os discursos que prometem reduzi-las — a COP26 é palco de declamação por excelência e de inação por defeito.
“Vinte e seis conferências, zero cortes de emissões. Dezenas de acordos, milhões de refugiados. Centenas de promessas, zero ação. Milhares de leis e uma miríade de crimes.“
Os milhares de ativistas e comunidades do Sul Global sem bilhete hibernaram no catastrofismo — a nova geração malthusiana, dizem. Não ouviram o Johnson, o Biden e o Guterres? Já anotaram no final da agenda a necessidade de resolução da crise climática. Todavia, em primeiro, o jantar com o CEO da Chevron, os acordos de usurpação de terras em Moçambique, a gestão das dívidas soberanas e a discussão da nova geo-engenharia.
Caminhamos em contra relógio para o maior filme de terror da história. Os ativistas não são parvos e, por isso, não participam na encenação de fantoches. Reunem-se fora da COP26, na designada Contra COP, não só para apresentar soluções reais para resolver a crise climática como também para combater todo o fantoche do greenwashing, do capitalismo dito verde e das soluções falsas apresentadas por líderes mundiais. No dia 7 de novembro, Portugal irá juntar-se ao apelo global da COP26 Coalition e ocorrerão marchas por justiça climática por todo o país.
Ora, a justiça, aí está. De entre as parcas certezas que tenho, há uma que lamentavelmente se sobreleva: a justiça não nos será entregue por líderes mundiais, bilionários verdes ou corporações. Só nós podemos imaginar e construir um futuro que funcione para todas as pessoas. Na linha do dito politicamente incorreto, afirmarei: não são suficientes reformas, alterações de lei ou passos tímidos. Sabemos que a hegemonia do sistema económico e político em que vivemos é alimentada de desigualdades e injustiça; que o capitalismo, o patriarcado, o racismo, o colonialismo e os negócios da morte não serão resolvidos entre as Partes; que a intersseccionalidade é o pilar dos novos movimentos sociais e que a crise climática é o superlativo da violência e que alimentará todas as restantes.
“Não se pregue de auto-regulação do mercado, da doutrina Thatcher ou tecnologia. Não se fale da COP. Fale-se de vida, da existência concreta.”
Ao mesmo tempo que ocorre a 26.ª Conferência das Partes, mais um passo foi dado para a extinção. Vinte e seis conferências, zero cortes de emissões. Dezenas de acordos, milhões de refugiados. Centenas de promessas, zero ação. Milhares de leis e uma miríade de crimes.
Num ímpeto de loucura, afirma-se: “é melhor ser ativista do que falecer”. Abandone-se o ópio que faz crer que se pode entregar o rumo da vida ao contrato social. O princípio dos Ciclos de Milankovitch não serve mais de refúgio, além de subterfúgio. Não temos tempo para falsas promessas — promessas de ação ou ações falsas. Não há tempo: 4,5 mil milhões de anos para salvar em 9 anos; 300 mil anos de espécie em breve extinta.
Não se disserte de radicalismo, fundamentos ou ecomodernismo. Não se pregue de auto-regulação do mercado, da doutrina Thatcher ou tecnologia. Não se fale da COP. Fale-se de vida, da existência concreta. Das casas destruídas na Palestina, dos refugiados de Pemba, do terrorismo contra as mulheres afegãs, da Amazónia desflorestada, dos ativistas encarcerados, do genocídio dos Ogoni, do assassinato de comunidades indígenas, das espécies em extinção, dos trabalhadores do Pego e Matosinhos, do caudal seco de Odemira, da escravatura moderna. Fale-se do maior crime premeditadamente consumado contra a Humanidade: a degradação climática e o capitalismo fóssil. Fale-se de pulsão suicida coletiva, da tua desresponsabilização e do consentimento confortável mas criminoso que permitimos.
Se queremos reduzir as emissões na próxima década, é imperativa uma mobilização massiva — maior do que qualquer outra na História. A crise climática não é a minha causa nem das Partes. É a nossa causa. Ou Vamos Juntas ou extinguimo-nos juntas.
De 15 a 22 de novembro, organizações do movimento por justiça climática convocaram ações diretas descentralizadas pelo mundo inteiro para evitar o colapso total. No dia 18 de novembro, ativistas irão à refinaria da Galp, em Sines — a infraestrutura mais emissora em Portugal — numa ação de desobediência civil em massa. A visão: menos emissões. O princípio: transição justa. O plano: Democracia Energética. Vamos Juntas?