Red Hot Chili Peppers: 11 anos de espera paciente, 90 minutos de saudades quase saciadas
Estava tudo a postos, no interior do Palco Super Bock, para o espectáculo dos Red Hot Chili Peppers (RHCP), no primeiro dia do Super Bock Super Rock 2017. Ia ser o concerto da noite e, para muitos, de todo o festival. As cerca de vinte mil pessoas que ali se juntaram esperavam pacientemente pelo começo do espectáculo. Pouco depois da meia-noite começou a ouvir-se um misterioso instrumento de sopro e, no meio de assobios sentidos, até as pessoas na plateia praticamente lotada se levantaram para ver o que aí vinha. Momentos depois apagam-se as luzes, e mais um assobio gigante do público varreu a sala. Quando Flea, Chad Smith e Josh Klinghoffer entraram em palco, a sala voltou a silvar que nem um pote de chá. O apoio dos fãs estava garantido, só faltava que a banda estivesse à altura das elevadas expectativas.
Para abrir o tão aguardado retorno a terras lusas, Anthony Kiedis (que entretanto se juntou discretamente aos colegas) serviu-se de “Can’t Stop”, que levou o público ao rubro desde os primeiros minutos de concerto. Depois de uma jam instrumental, este tema soou tão fresco como há quinze anos atrás, quando o álbum By The Way estreou e invadiu as mentes de todos aqueles que agora assistiam religiosamente ao espectáculo. “Snow” soou de seguida, com o seu encanto intimista e um apoio avassalador do público. De Stadium Arcadium os RHCP saltitaram para The Getaway com “Dark Necessities”, também bastante celebrada, provando que mesmo passados trinta anos de música os californianos ainda se conseguem reinventar e cativar as suas legiões de fãs.
Pouco se ouviu de Kiedis, tirando o seu habitual e reconhecível estilo de cantar. O trabalho de frontman esteve a cargo de Flea, e o extraordinário músico não desapontou. “The acid just started to kick in”, brincou o efervescente baixista. “Sometimes it’s just time for a small quiet ballad, sometimes you gotta put the baby to sleep”, declara sarcasticamente antes de iniciar a rápida e descontrolada melodia de baixo que preenche “Nobody Weird Like Me”. As notas que arranca do instrumento são inconfundíveis; o músico é um dos grandes na técnica do slap. Mas também Anthony brilhou com a sua entrega jocosa, e “Suck My Kiss” soou tão jovial como se não tivesse passado um único dia desde Blood Sugar Sex Magik; o cantor foi assertivo, possante e estava no seu melhor ao interpretar este intenso tema da banda. Já em temas como “Soul to Squeeze” viu-se um cantor mais recatado, cuidado, mostrando as duas faces de um artista com um estilo vocal distinto.
Não faltaram clássicos para animar a noite, como “Californication” ou “Aeroplane”, e o público fez-se ouvir nestas e em todas as outras músicas que preencheram o alinhamento. Foi uma hora e meia solene, com vários daqueles momentos musicais que nos fizeram apaixonar por esta mítica banda norte-americana, e que deixaram tanta saudade desde a última vez que se encontraram com o público português. Para acabar o concerto, “By the Way” foi cantado a plenos pulmões, com Kiedis a afastar-se do microfone para deixar o público mostrar a sua paixão e o entusiasmo que sentiam ao acompanhar o vocalista na sua demanda. A banda despediu-se com um último ribombar potente da tarola de Chad Smith, mas todos sabiam que ainda faltava o encore. A certa altura, vê-se no ecrã uma bandeira portuguesa com as palavras “Give it away now” e o símbolo da banda. Depois deste momento, as luzes fecham-se. Parecia encenado.
Estava tudo à espera daquela música. No encore, o público unido aguardava ansiosamente por “Give It Away”, mas os RHCP ainda nos fizeram esperar. “Goodbye Angels” traz The Getaway de volta ao centro das atenções, e Anthony puxou pela multidão, incentivando o público a mexer-se durante o solo de baixo e guitarra gritada. Por fim a loucura chegou, com a performance de um dos temas mais reconhecíveis da discografia da banda: “Give It Away” pavoneou-se pela MEO Arena com o seu funk intoxicante e baixo deslizado, incrivelmente vivo, e com as palavras quase declamadas de Anthony a soarem fugazes e instantaneamente apelativas. “We love you so much and we’re so fucking grateful for the opportunity to be here”, concluiu honestamente Flea depois de toda a agitação.
Alguns lamentaram a partida do eterno guitarrista John Frusciante, que há onze anos acompanhou o resto do gangue no Rock in Rio. Mas Josh Klinghoffer fez um bom trabalho: não procurou substituir Frusciante, mas sim construir a sua sonoridade com base nas composições do guitarrista. Para outros, faltaram músicas. Mas, mesmo que seja essa a triste verdade, continua a ser espantoso verificar que, depois de um concerto com catorze músicas, facilmente se preenchia mais um alinhamento com as músicas que faltaram. É esta a dimensão do fenómeno que são os Red Hot Chili Peppers, com uma carreira repleta de êxitos; uma das grandes bandas do nosso tempo. Daqui a onze anos estou aos saltos outra vez.
Fotografia de: Super Bock Super Rock