Entrevista. Efterklang: “Gosto da ideia de projectar na música um ambiente mais positivo”
Os Efterklang são uma das bandas indie mais acarinhadas pelo público português. Estes dinamarqueses de culto já pisaram os nossos palcos várias vezes e o vocalista, Casper Clausen, até vive em Lisboa. No final do ano passado, a banda lançou o seu sexto álbum de estúdio, Windflowers, um álbum mais leve, espontâneo e que espelha a vida e a personalidade calorosa deste trio. Antes do concerto de apresentação do disco no Musicbox, em Lisboa, tivemos a oportunidade de conversar com Casper sobre Windflowers e o seu bucólico processo de gravação, sobre a já longa carreira da banda e muitas outras coisas.
Como foi o processo de criar este álbum?
Começou de uma forma extremamente brincalhona, de certa forma. Começámos no início da pandemia, tínhamos acabado de terminar a tour do álbum anterior [Altid Sammen] e pensámos “vamos abrir uma pasta da Dropbox”. Eu estava em Lisboa e os outros dois membros em Copenhaga. Eu disse “vamos tentar, não temos mais nada para fazer”, por isso fui para o estúdio em Cacilhas — que tenho há três ou quatro anos — e comecei a fazer rascunhos. Todos os dias carregava algo na pasta para que eles pudessem escutar e o Mads [Brauer] fazia o mesmo no estúdio de Copenhaga. Às vezes, eu cantava por cima das ideias dele e voltava a colocar na pasta. Encontrámo-nos três meses depois, quando se tornou possível viajar de novo. Fui para a Dinamarca e encontrámos um estúdio no sul do país, numa ilha chamada Møn, que era uma quinta no meio de um campo. Um tipo construiu um estúdio lá, podíamos viver lá, cozinhar, ir à praia, nadar, fazer caminhadas… Foi muito bom, pudemos colocar todos os nossos instrumentos naquele espaço, depois no sistema Pro Tools e gravar por cima das ideias que tínhamos criado na Primavera. Começámos a limitar-nos às canções de que tínhamos gostado mais e, depois de meio ano, achámos que tínhamos um disco que acabou por ser o Windflowers. Sinto que surgiu muito de brincadeira.
Que tipo de sentimentos evocam estas canções em ti?
Eu liguei-me muito a esse estúdio para o qual fomos, com aqueles campos à nossa volta. Acho que havia mais árvores antes de os humanos começarem [a habitar], mas agora são campos abertos com agricultores. Havia uma série de árvores à volta da quinta e um moinho que produz toda a energia para o edifício, por isso era como uma fortaleza independente. O vento é muito intenso naquele sítio, porque ganha velocidade ao longo dos campos. Fomos lá no Verão — um Verão lindo, com luz até às 23 horas, aquela luz laranja sem fim — e no Inverno, em que havia gelo e podíamos andar pelos campos. Por isso, vimo-lo de vários ângulos diferentes, e então as canções, apesar de terem sido escritas em Lisboa e em Copenhaga, conectam-se ao [lugar] onde começaram a fazer sentido. Por isso, espero que o ambiente do álbum seja um pouco esse ambiente, meio espaçoso.
Normalmente, os vossos projectos são muito colaborativos, mas este álbum é mais despojado.
Sim, é basicamente a nossa banda ao vivo, que são quatro músicos maravilhosos. A Indre [Jurgelevičiūtė] toca kanklės lituano e canta; o Christian Balvig é um teclista extraordinário; o Øyunn é um baterista norueguês e toca muita bateria no disco, mas também canta; e depois há o Bert Cools, que é um teclista e guitarrista da Bélgica, e que eu diria que é um mágico [risos]. Mas sim, foi mais sobre juntar estas pessoas e dar-lhes espaço; em vez de ter como que um exército de pessoas, foi mais sobre destacar algumas pessoas diferentes.
Também há a colaboração com The Field, que achei muito interessante. Acho que funcionou bem.
Ah, o The Field! Sim, foi uma grande coincidência. Nós conhecemos o Axel [The Field] há algum tempo, porque vivemos em Berlim e temos amigos em comum. Eu sempre adorei a música dele. Ele tem aquele som, o som de The Field, e também uma maneira de fazer as coisas muito simplista. Nós tínhamos esta canção, “Åbent Sår”, que queríamos que tivesse uma mudança drástica. Tentámos várias coisas com drum machines, mas não conseguimos resolver… um dia estávamos sentados no estúdio em Copenhaga, pensámos “se calhar devíamos dá-la a alguém” e imediatamente lembrámo-nos do The Field como alguém cujo som realmente apreciamos. Então, uma semana depois regressou este techno longo e louco. Demorámos algum tempo a habituar-nos, “será que isto é mesmo Efterklang? O que é isto?”. Mas depois tornou-se excitante ouvir o nosso som processado por alguém completamente diferente e foi refrescante trabalhar com alguém dessa forma, de dar acesso completo para fazer aquilo que ele é bom a fazer.
No disco anterior, cantas em dinamarquês, mas neste regressaste ao inglês. Porque é que normalmente cantas em inglês?
Acho que regressei ao inglês neste disco com um novo ponto de vista. Eu penso muito nas letras, mas o significado não é necessariamente algo a que preste muita atenção. As letras nos álbuns mais antigos de Efterklang são mais abstractas, são palavras que eu gosto de ver juntas, mas, ao longo do tempo, quando as canto ao vivo, às vezes ainda mudo algumas letras. Não são algo tão gravado em pedra, para mim.
No entanto, quando fiz o disco em dinamarquês, comecei a pesar as palavras muito mais. Não ouço muito as letras na música de outras pessoas, mas tenho começado a fazer mais isso. Por isso, no novo álbum, foi bom escrever em inglês com um pouco mais de… cuidado sobre o que o significado poderia ser, mais do que a arquitectura do som e imagens.
Ainda assim, acho e espero que as letras do Windflowers tenham uma certa abertura abstracta, que as pessoas possam escutar, pegar em algumas palavras daqui e dali e criar a sua própria [ideia]… eu gosto desse tipo de letras, que te guiam com algumas combinações de palavras, mas deixam-te flutuar numa maneira meio abstracta. Eu acho que ainda existe isso no Windflowers, uma sequência de imagens que se conjugam numa canção, e essa canção tem um ambiente, um sentimento ou uma situação que me apetece descrever, mas não tem de ser uma letra contínua que “faça sentido”. Isso nunca me interessou muito, não é natural para mim.
Em inglês é bom, porque toda a gente entende. Em dinamarquês, era mais sobre uma nova parte da minha voz, que as pessoas poderiam escutar mas não entender. Eu queria que fosse algo acessível para as pessoas que não entendem dinamarquês. É engraçado ouvir uma voz de maneiras diferentes.
Olhando para o decurso da tua carreira, agora que estás a fazer coisas tão diferentes de quando começaste, estás a fazer aquilo que esperavas?
É engraçado estar aqui sentado no Musicbox, porque o nosso primeiro espectáculo em Lisboa, em 2010, foi aqui. O Pedro Flama convidou-nos na altura e tornei-me amigo dele — aliás, foi por isso que me mudei para aqui, porque ele foi tão convidativo.
Se me perguntasses, em 2009, quando estive aqui, eu não sei o que tinha na mente, realmente. Adoro tocar ao vivo e na altura estava a descobrir o poder disso. Antes disso, era demasiado tímido para apreciá-lo, era mais acerca de estar no estúdio. Por isso, é sempre sonhar, sonhar e sonhar, e sonhar mais uma vez. É também tentar estar mais no presente.
Adoraria tocar noutros lugares, outros recintos, tocar um concerto em Marte, no topo do Empire State Building, no Madison Square Garden… mas também adoro tocar no Musicbox, numa sala pequena com pessoas. Os Efterklang são um óptimo veículo para dar um espectáculo e fazer algo que realmente valorizo com os meus amigos. É mais sobre descobrir o que nós queremos, nesse contexto, do que o que eu quero. Posso sugerir coisas aqui e ali, mas temos caracteres muito distintos. Ter uma banda há tanto tempo é mais sobre respeitar as diferenças uns dos outros e ver isso como uma força, em vez de algo que te arrasta.
Essa era uma das perguntas que ia fazer, porque vocês já são amigos há muito tempo. Quão difícil é equilibrar essas coisas: ser amigo deles e trabalhar com eles — porque isto é trabalho, de certa forma?
Acho que o contexto dessa pergunta é incomparável, porque começou como uma amizade muito pura. Mas, rapidamente… na primeira noite, numa festa de secundário, conheci o Rasmus [Stolberg] e instantaneamente pensámos “vamos fazer uma banda”. Por isso, começámos toda essa ambição de criar uma banda e fazer algo juntos. Éramos um pouco estranhos e estávamos a fazer algo que achávamos que nos tornava mais fixes que os outros e blá blá blá… construímos o nosso próprio clã. Quando tinha 18 anos, desisti da escola e mudámo-nos para Copenhaga, por isso conheço-o de uma forma muito diferente da maioria dos amigos. Trabalhei com o Mads durante três anos numa empresa de telemarketing, íamos para o estúdio todos os dias depois do trabalho para fazer música, por isso passámos tempos muito intensos juntos. É uma forma muito diferente de ser amigos. Acaba por se tornar prático de alguma forma — temos uma empresa juntos —, temos de encontrar o nosso tempo de qualidade… sinto-me bastante bem com isso. Ainda conseguimos desfrutar de um bom jantar juntos e sentirmo-nos bem com isso. Ainda há uma sensibilidade com eles que me parece muito sincera e queremos ajudar-nos uns aos outros a entender quem somos. Essa é uma coisa óptima de quando és amigo de alguém há tanto tempo, podes apontar-lhe coisas e dizer-lhe que é fantástico em algo ou “essa coisa aí? Não te preocupes com ela.” [risos]
A vossa música está a tornar-se cada vez mais calorosa. Sinto que é um pouco como vocês, que são pessoas calorosas, gostam de manter-se em contacto com as pessoas, querem saber o que elas estão a sentir… Essencialmente, parecem-me ser pessoas felizes. São optimistas?
Acho que a música que fizemos no Windflowers, o ambiente que temos desenvolvido no estúdio e durante esta pandemia, tem um tom optimista, sim, num mundo que parece bastante pessimista. Eu acho que somos, falando por mim, muito optimistas. Acho que posso ver positivismo em muitas coisas. Às vezes pode ser quase ingenuidade, até, mas acho que não me ajuda ser pessimista, ser negativo. Claro que sou humano, acontece-me a toda a hora, mas eu gosto da ideia de projectar na música um ambiente mais positivo.
Como te sentes ao regressar aos palcos e tocar sem restrições?
Muito bem. Tínhamos tantas saudades de tocar ao vivo, tantas! Tivemos a sorte de tocar uns espectáculos no ano passado, na Macedónia [do Norte] e em Itália, mas este ano é a primeira vez em muito tempo. Acho que aquilo de que realmente tinha saudades era de estar em tour, tocar todos os dias com a mesma banda, com os mesmos técnicos, a mesma equipa… é como estar num circo. Sempre que tocamos, melhoramos algumas coisas, se calhar a transição de uma canção para outra torna-se mais rápida… Tinha muitas saudades disso. Estivemos no estúdio, mas pegar nisso e tocar em frente a pessoas reais, em salas cheias, é extraordinário. É uma coisa muito poderosa. [risos]
Estou muito curioso pela vossa relação com Portugal. Em 2012, deram um concerto aqui e foi um dos meus preferidos de sempre.
O Mexefest? Sim! Esse foi um concerto épico, épico, épico. Ainda sinto os ecos dele.
As pessoas estavam a caminhar por cima das cadeiras, a ir para o palco… Senti que começou algo muito especial entre vocês e Portugal.
Concordo, concordo. Eu lembro-me de todo esse dia. Às vezes tocamos concertos que mudam muitas coisas. No mesmo ano, tocámos no Super Bock Super Rock e as pessoas começaram a falar sobre os Efterklang, passavam a nossa música na rádio. O público português é muito leal nesse sentido, se gosta de algo, dedica-se a isso. Essa é uma coisa que realmente se sente, e que começou por volta do Mexefest.