“Succession” não é cinema. E ainda bem
Nunca acreditei que as séries fossem o novo cinema, ou que fossem “mais cinematográficas” (seja lá o que isso for), e sinto vontade de bater com a cabeça na parede de cada vez que ouço algo como “a nova temporada de Twin Peaks é um filme de 16 horas”. Não esquecer que isto acontece na mesma sociedade que não consegue ver um filme de 4 horas de seguida (quem se lembra daquela brilhante sugestão da internet em dividir o “The Irishman” em episódios, numa era em que o bingewatching se tornou numa coisa normal?!).
Grande parte do debate à volta das séries televisivas parece centrar-se em questões meio ridículas como as que mencionei: interessa mais mudar a nomenclatura das coisas do que reflectir nas suas potencialidades intransmissíveis, e que talvez a qualidade de uma série deve-se mesmo ao meio para o qual uma obra foi pensada, e não porque tem uma direcção de fotografia mais “cinematográfica” ou planos em cinemascope. É menos preguiçoso pensar um meio de raíz do que compará-lo com outro desnecessariamente.
Não houve uma “idade de ouro” das séries. Em cada época houve obras notáveis. Desde as histórias intemporais da “Twilight Zone” as peripécias hilariantes de “Blackadder”, passando por experiências mais autorísticas (a tv alternativa não começou com a HBO) como as de Dennis Potter, até, claro, aos “Sopranos”, “The Wire” e “Breaking Bad”, encontramos provas de que a boa televisão não é cinema, mas excelente televisão.
“Succession” também não é cinema. É uma série de televisão. E estamos mais concentrados em encontrar cinema na televisão e menos atentos ao facto que a televisão, quando é excelente, é outra coisa, uma arte à parte, que se fosse apenas relevante por poder ser usada para comparações com o cinema, não serviria para nada. “Succession” está muito acima da média e merece estar no pódio das coisas imperdíveis da tv.
Muitas pessoas acusam a saga da família Roy de ser uma novela com mais valores de produção. Mas se realmente fosse esse o caso, poder-se-ia ver cada episódio a lavar a loiça, ouvindo os diálogos e olhando de esguelha para o ecrã daquele pequeno televisor da cozinha. Não é o caso disso aqui — e quem viu o último episódio da terceira temporada sabe do que falo. E digam-me se há novelas que têm diálogos com tanta perícia humorística e perversidade.
“Succession” não é cinema. E ainda bem. Uma narrativa assim só funcionaria com a estrutura episódica com que nos é oferecida, e com a qual se aproxima, em muitos momentos, do melhor que o não tão pequeno ecrã nos pode oferecer. E que não é só um fenómeno da actualidade (já fui apanhado em algumas dessas modinhas e, ao contrário desta, fiquei sempre decepcionado). É uma farsa com tudo no sítio e personagens inesquecíveis.
Eu sou muito cuidadoso no que vejo na televisão, até porque gosto mais de investir o meu tempo livre com filmes. Mas vale a pena acompanhar este belíssimo pedaço de TV. E que venha a quarta temporada.