“Don’t Look Up”, de Adam McKay: um filme que se esgota na sua mensagem
Este artigo pode conter spoilers.
Estando a braços com uma pandemia que paralisou o mundo, “Don’t Look Up”, realizado por Adam McKay, parece ser o filme ideal para este tempo, mais ainda quando foi produzido e distribuído pela Netflix via streaming, acessível a grande parte da população que, passando mais tempo em casa que o habitual, não terá grande dificuldade em aceder a esta sátira acerca, principalmente, do negacionismo científico. É actualmente o filme mais visto da plataforma, mas é pena que não tenha tido o mesmo sucesso quando passou pelas salas de cinema 2 semanas antes da estreia Netflix. Pena ainda que só alguns filmes de maior chamariz tenham essa oportunidade. O elenco é de luxo, recheado de oscarizados, num pacote completo que almeja certamente o reconhecimento do público e da indústria. Uma discussão para ter noutra ocasião…
A premissa já é mais que sabida, não tivesse a máquina de marketing da gigante do streaming inundado a internet com clips e trailers de um cientista Dicaprio encharcado em suor e a sofrer de taquicardia enquanto se esforça, juntamente com a sua assistente doutoranda Jennifer Lawrence, para explicar ao mundo que um cometa de dimensões apocalípticas irá destruir a Terra dentro de 6 meses e que é preciso fazer algo quanto a isso. No entanto, ninguém parece estar muito preocupado com esse facto, nem mesmo quando a solução é algo tão “simples” como destruir o cometa. A ideia é clara: satirizar uma sociedade amorfa com políticos sem consciência social, jornalismo mercantilista e cidadãos distraídos. E nesse ponto é bem sucedido. O problema é tudo o resto. Não é preciso ser sociólogo para perceber onde o filme pretende chegar e o seu grito de “acordem povo” não vem mais do que confirmar algo que o público já sabe que vai ver, tornando o seu conceito algo redundante e esgotando-o de antemão. Passada a mensagem da sua premissa, o que resta a este “Don’t Look Up”? O entretenimento? Os gags? Grandes interpretações do seu elenco de luxo? O drama do seu último acto? Afinal apesar de tudo “Don’t Look Up” trata-se de um filme e não de uma mera ideia. Foquemo-nos nisso.
Com “The Big Short” (2015), o realizador Adam McKay encontrou o ponto de graça para abordar temas técnicos com consequências dramáticas de forma algo leviana mas não displicente, conseguindo imprimir um ritmo acelerado ao seu cinema, muitas vezes expositivo, sem aborrecer o espectador, coisa que nem Nolan, nem Sorkin (enquanto realizador) conseguem muitas vezes. É verdade que tanto em “The Big Short” (2015) como em “Vice” (2018) o cinema de McKay não deixa de por vezes apresentar confiança em excesso, mesmo tendo em conta as caricaturas positivamente absurdas que apresenta (talvez o ponto mais forte do cinema do realizador). Estranhamente é só com este “Don’t Look Up” que a auto-consciência do cinema de McKay perde o estado de graça.
McKay não consegue encontrar nem ritmo, nem tom para o seu filme, que em espaço de minutos vai do nonsense à depressão, da comédia à tragédia, do romance à traição, ao mesmo tempo que encaixa tudo isso no desenrolar da sua expectável trama disparando para os vários sectores alvo da sociedade. Ao não encontrar o tom para o seu filme McKay acaba por construir personagens unidimensionais de um lado, “os maus”, e existencialmente profundas do outro, “os bons”, mas estes últimos só a partir do momento em que dá jeito: o momento em que “Don’t Look Up” se cansa da sátira absurda e percebe que, afinal, isto até é uma coisa séria. Ou não é? É nesse limbo que a película se coloca, com um excesso de confiança que na realidade não consegue decidir que rumo tomar. Talvez isso até seja consciente. É como se a mensagem e a sua discussão absorvessem tudo o resto, o que não é muito positivo…
Mesmo com tudo isto é “Don’t Look Up” um filme recomendável? Certamente que sim. Apesar de profundamente desequilibrado, isso não quer dizer que a sua mensagem não passe. Passa, é eficaz, e é também para isto que serve o cinema comercial. Dicaprio e Jonah Hill têm bons momentos e fazem lembrar “Wolf of Wall Street”, Cate Blanchett mais uma vez rouba o protagonismo sempre que aparece em tela e Meryl Streep faz uma interpretação arrojada de uma personagem detestável (ver Streep a interpretar um papel oposto ao da sua própria persona acaba por ser um ponto de interesse). O mais recente de Adam McKay entretém e coloca mais uma vez em debate um tópico importante, mas não é apenas isso que faz um bom filme, e muito menos um filme brilhante de uma geração.