A jovem actriz
Lançou-se nos meus braços como se o seu trabalho dependesse disso. Eram outros tempos! Subia, ele, o volume na última frase. Não estávamos sozinhos, mas era como se estivéssemos. Naquele pequeno café de bairro, as conversas eram sempre normalizadas por um nós contra eles, ou um elas contra nós, por isso, falar de assuntos politicamente pouco correctos era o normal. Ali, como dizia o dono, éramos de todas as equipas e não éramos contra nenhum dos partidos. O Velho Encenador, percebendo que eu não lhe fazia juízo de valor, continuou a responder à minha pergunta; Gosto de jovens actrizes, não vejo que mal isso tem, e naqueles tempos isso até era bem visto, agora é que parece que tudo é errado.
Estava certo, agora é tudo errado, sobretudo os erros e a insistência nos erros. Mas se há coisa que a escola de jornalismo ensina nas primeiras aulas de código deontológico, é nunca tomar partido durante o horário de trabalho. É difícil, mas tinha sido escalado para lhe ouvir as memórias, e já há tanto tempo que não me cediam uma dupla no magazine que eu estava por tudo e até um psicopata surdo-mudo entrevistaria.
Tinha chegado mais cedo do que eu. Via-o da janela do carro, sentado na esplanada, à minha espera. O Velho devia sentir que esta era a entrevista da sua vida, porque se vestiu para a ocasião. Tínhamos amigos em comum, ele não o sabia, mas eu já o tinha visto antes, a passear os cães na zona verde do bairro, e nunca o tinha visto tão formal. Gosto de pessoas que antes já foram outras pessoas, mas admiro mais os que estão sempre prontos para a ocasião, como o alfaiate da semana passada que me dizia que não saia à rua sem colocar uma gravata. O Velho lá estava, de gravata, mas só para esta ocasião, a de me dar uma entrevista para o jornal mais importante do país.
Saí do carro já ele ía no terceiro cigarro. Dei-me ao trabalho de o observar. Talvez o meu sonho de ser actor na juventude e de ele ser, na altura, o encenador mais importante, ainda me fazia manter a atenção. Ele, há muito tempo que se tinha tornado irrelevante no panorama teatral nacional e eu há muito que me tinha tornado um jornalista como o meu pai antes de mim. Realizava-lhe o sonho, a ele, que a mim os sonhos há muito que se tinham adormecido.
Voltando à esplanada, ele continuava a responder com mais uma narrativa de conquista romântica de outra jovem actriz. O Velho engalfinhava-se com aquelas histórias, e eu assentia que sim para o encorajar. Ele sentia isso, e como um velho leão a discursar para uma plateia de hienas, o homem não parava de me apresentar factos cada vez mais pormenorizados; Sabe, as actrizes gostam do toque e da proximidade. Muitas deles vivem o trauma do pai ausente e eu, nesse sentido, predispunha-me a ocupar esse vazio. Dirigia-as docemente quando necessário e mais agressivamente quando essencial. Era quase uma dança rítmica de ires e vires até ao resultado final, se é que me entende?!
Não entendia, nem podia, porque o meu gravador tinha-se desligado cinco minutos depois do início da entrevista, e sem querer, o homem atolava-se na mais longa resposta possível à minha única pergunta: Como vê os novos temas do teatro contemporâneo? Perguntei-lhe. Nem ele, nem eu, sabíamos outra resposta, nisso o meu pai ou a escola de jornalismo nunca me prepararam. O que fazer quando a resposta não coincide com a pergunta?
era a entrevista da sua vida porque se vestiu para a ocasião. Tínhamos amigos em comum, ele não o sabia, mas eu já o tinha visto antes, a passear os cães na zona verde do bairro, e nunca o tinha visto tão formal. Gosto de pessoas que antes já foram outras pessoas mas admiro mais os que estão sempre prontos para a ocasião, como o alfaiate da semana passada que me dizia que não saia à rua sem colocar uma gravata. O Velho lá estava, de gravata mas só para esta ocasião, a dar uma entrevista para o jornal mais importante do país.
Saí do carro já ele ía no terceiro cigarro. Dei-me ao trabalho de o observar. Talvez o meu sonho de ser actor na juventude e de ele ser, na altura, o encenador mais importante ainda me fazia manter a atenção. Ele, há muito tempo, que se tinha tornado irrelevante no panorama teatral nacional e eu há muito que me tinha tornado um jornalista como o meu pai antes de mim. Realizava-lhe o sonho, a ele, que a mim os sonhos há muito que se tinham adormecido.
Voltando à esplanada, ele continuava a responder com mais uma narrativa de conquista romântica de outra jovem actriz. O Velho engalfinhava-se com aquelas histórias e eu assentia que sim para o encorajar. Ele sentia isso e como um velho leão a discursar para uma plateia de hienas o homem não parava de me apresentar factos cada vez mais pormenorizados; Sabe, as actrizes gostam do toque e da proximidade. Muitas deles vivem o trauma do pai ausente e eu, nesse sentido, predispunha-me a ocupar esse vazio. Dirigia-as docemente quando necessário e mais agressivamente quando essencial. Era quase uma dança rítmica de ires e vires até ao resultado final, se é que me entende?!
Não entendia, nem podia, porque o meu gravador tinha-se desligado cinco minutos depois do início da entrevista e, sem querer, o homem atulava-se na mais longa resposta possível à minha única pergunta: Como vê os novos temas do teatro contemporâneo? Perguntei-lhe. Nem ele, nem eu, sabíamos outra resposta, nisso o meu pai ou a escola de jornalismo nunca me prepararam. O que fazer quando a resposta não coincide com a pergunta?