‘A História do Mundo para Pessoas com Pressa’: a difícil arte do resumo feito com clareza e precisão
O título deste livro facilmente se pode tornar enganador. A História do Mundo para Pessoas com Pressa nem sempre segue em ritmo pressuroso e de acordo com um registo ultraleve. Se, por vezes, abrevia e encurta caminhos – resumindo e tomando opções em que não é difícil adivinhar dilemas enervantes para a autora –, cobre, realmente, um terreno amplo de temas e eras, em cumprimento da promessa feita no subtítulo: «Os últimos 5000 anos em 200 páginas». Além de conseguir aprofundar aquilo que é passível de analisar mais a fundo tendo em conta as limitações de espaço autoimpostas.
O livro da autora inglesa avança por ordem cronológica, embora vá seguindo em frente e recuando, mediante critérios temáticos ou geoestratégicos. Por associações lógicas entre povos contíguos na geografia ou nos movimentos bélicos e políticos, ou movido por nexos causais que condicionam a ultrapassagem da barreira mais ou menos estanque da cronologia. Por outro lado, e é um mero exemplo, na página 95, numa rubrica subordinada à temática das Cruzadas, faz-se uma chamada de atenção para uma secção posterior, cerca de 20 páginas adiante, em que se trata o Renascimento. E, ao longo de A História do Mundo…, serão uma constante, esse tipo de indicações. O que significa que é possível ir fazendo permanentes ligações «temáticas» ou, contrariamente, seguir a ordem adoptada pelas partições do livro. E, no entanto, mesmo estas (como é natural) procedem a desvios geográficos que obrigam a exposição a outros tantos saltos temporais. Após traçar um breve panorama da dinastia Qing, Marriott Marriott desvia ligeiramente a sua rota no mapa-múndi, fixando a atenção na Índia sob domínio colonial da coroa britânica (pp. 136 e 137, respectivamente), dessa forma acelerando ligeiramente a cronologia e mapeando territórios do globo de uma forma necessariamente mais abrangente.
É verdade que a prosa nem sempre é elegante – «Nos Estados Unidos, cerca de 675 mil pessoas infectadas pelo vírus perderam a vida, e na Grã Bretanha mais de duzentas mil mortes.» (p.184) –; mas, mesmo quando tal sucede, em compensação, a autora consegue aglomerar eficazmente elementos díspares, concatenando informação que é distinta na abrangência e na origem – «Por sua vez, a literatura e as artes também prosperaram, especialmente a poesia lírica, a cerâmica (com o aparecimento da porcelana) e a escultura. A impressão com recurso a blocos de madeira foi introduzida durante o período da dinastia Tang, assim como o emprego de tipos móveis, permitindo assim a edição de livros alguns séculos antes de qualquer outro lugar no mundo.» (p.70) Essa qualidade de reunir o que anda disperso ou aquilo que não seria imediatamente associável, emerge em passos como aquele em que se estudam as chamadas Invasões Bárbaras. Estas são analisadas à luz de um enredo de variáveis em que se aliam factores físicos (como geografia e clima), demográficos e o que possa ser considerado mais estritamente estratégico, ou específico do xadrez da política. Algo que permite melhor entender este complexo de transformações e movimentos que tão profundamente havia de desfigurar e reformar o nascente mapa da Europa.
Uma História da humanidade é, inevitavelmente, um relatório da ignomínia e da ruína. À grandeza sucede, a um ritmo inapelável, a decadência; ao poder de um império dá lugar a queda e a substituição às mãos de novos senhores. Desde os impérios da Antiguidade que assim foi: Babilónios, Hititas e Assírios, levaram ao esplendor máximo e à mais funda devastação os mais grandiosos poderios civilizacionais. Passando por Romanos e Bárbaros, alargando a geografia ao vasto mundo que abarca as Américas pré-colombianas o Médio Oriente e a Ásia Extrema, mas também a Oceânia e a o continente africano, o relato da marcha humana ao longo das eras é um memorial da violência, da conquista e usurpação, da guerra e da pilhagem, da morte e da reinvenção da vida. Nesse sentido, é especialmente digno de referência que Emma Marriott tenha feito questão de contornar o cliché de que a História é, obviamente, o resultado cristalizado dos que venceram. A autora não esquece os que ficaram tragicamente pelo caminho, espezinhados pela insaciável sede de poder. Da Europa ao Novo Mundo e à Austrália, a lista deve ser revista e repensada; os números devem ser, mais do que dados friamente elencados, sinais vivos da barbárie que acompanha demasiado de perto o caminho civilizacional. O brilho das civilizações de Incas, Maias e Astecas foi para sempre apagado pela acção (e pela crueldade dos acasos provindos dos choques civilizacionais) dos Conquistadores – «Os colonos espanhóis levaram consigo uma quantidade de doenças europeias, como a varíola e a gripe, que dizimaram as populações autóctones. Por outro lado, milhões de nativos foram forçados a trabalhar até sucumbirem nas minas de prata e nas plantações agrícolas. As perdas de vidas humanas excederam inclusivamente o número de vítimas da peste negra. Estima-se que, entre 1492 e 1650, a população indígena americana tenha diminuído entre 80 e 90 por cento.» (p.123). Uma situação que não foi radicalmente diferente no Norte do continente americano – «Os nativos sobreviventes da América do Norte – aproximadamente quinhentos mil, comparados com os quatro milhões que a habitavam por volta de 1500 – foram confinados a reservas relativamente diminutas concedidas pelo Governo dos Estados Unidos.» (p.160) Na actual Austrália, a presença anterior aos Europeus sofreu um golpe de consequências em tudo semelhantes – «A população aborígene, estimada entre 750 mil e um milhão de nativos, declinou acentuadamente nos cento e cinquenta anos que se seguiram à colonização, principalmente devido a doenças infecciosas como a varíola.» (p.163); «Em 1930, o número de aborígenes caiu para 67 mil (de um milhão antes de 1788) e o governo começou a transferir muitos deles para grandes reservas.» (p.200)
Escolher entre datas e factos a incluir ou deixar de fora, civilizações e feitos passados a estudar ou deixar subentendidos, deve ser tão difícil como escolher entre filhos. E deve ter sido essa a principal dificuldade de E. Marriott. Um obstáculo quase sempre bem contornado, graças a uma ginástica de argumentação e acoplagem que se devem elogiar. A autora é bem capaz de fazer suprir as (naturalíssimas) lacunas com uma informação razoavelmente completa e com a energia com que faz interagir diferentes dados e perspectivas.