Responsabilidade social no setor agroalimentar: a necessidade de ouvir quem nos legitima
Tem existido um aumento gradual da importância da responsabilidade social corporativa das empresas no setor agroalimentar e ainda uma crescente atenção dos consumidores para o desenvolvimento da mesma pelas respetivas empresas (1, 2, 3, 4 e 5). Este interesse tem aumentado devido a uma diferença crescente entre as perceções do público sobre o setor agroalimentar e a realidade da agricultura moderna e da indústria alimentar atual, o que leva a ameaças à sua reputação e legitimidade, sendo apontada a Corporate Social Responsibility (CSR) como uma das principais formas de combater estas ameaças e por isso um tema que tem vindo a suscitar mais interesse de investigação nos anos mais recentes. Outro dos principais motivos apontados para a aplicação de medidas de CSR neste setor tem sido a má reputação e falta de confiança de que este setor sofre atualmente. Vários autores na literatura (1, 2 e 4) apontaram vários exemplos de situações recentes que afetaram a confiança dos consumidores no setor (A Doença das Vacas Loucas, surgimento de carne podre, escândalos com carne de cavalo a ser utilizada como sendo de outros animais etc.) e reforçaram a importância de as empresas deste setor ouvirem as necessidades dos seus stakeholders (6), referindo que um dos mais importantes stakeholders na operacionalização da sua atividade são mesmo os consumidores que cada vez mais exigem às empresas do setor que se responsabilizem pelos impactos que têm, nomeadamente na sociedade e no ambiente.
Esta responsabilidade que as empresas têm face à sociedade é justificada pelo facto de estas deterem e controlarem um porção significativa de recursos naturais e humanos (7). Ao terem um papel fundamental na qualidade de vida dos indivíduos, tanto dos seus funcionários (já que estes passam grande parte da sua vida produtiva no local de trabalho), como dos restantes stakeholders, nomeadamente os clientes, devido aos produtos e serviços que proporcionam, é fundamental que as mesmas deem a devida importância aos seus stakeholders, crescendo portanto a necessidade de implementar e melhorar a comunicação externa das empresas relativamente a estas matérias. Para tal tem surgido a publicação de diversos relatórios públicos, com vários nomes (relatórios de sustentabilidade, relatórios de CSR etc.), que apresentam a evolução da performance social e ambiental das empresas para conhecimento dos vários stakeholders interessados e que desde o ano 2000 têm diretrizes oficialmente estabelecidas para a sua elaboração. Um estudo na Hungria em 2009 já demonstrava que empresas que melhor comunicam as suas medidas de CSR conseguem ter melhores resultados financeiros (8).
Em 2010, Heyder (9) já apontava como essencial o papel da CSR e desta auscultação social para a reputação empresarial neste setor, garantindo que é importante conhecer a visão dos consumidores sobre as ações de CSR para as empresas definirem as suas políticas de CSR de forma informada e adaptada aos consumidores do seu setor. Este processo de alterar a forma de agir enquanto empresa mediante as necessidades dos seus consumidores é olhado por vários autores (10 e 11) como um processo de legitimação da sua ação que as empresas têm de assumir para criar confiança e lealdade dos mesmos.
Esta ligação entre este setor em específico e a sociedade é, porém, um desafio difícil e com variados obstáculos, dados os problemas de confiança e reputação do mesmo. Em 2019, De Olde e Valentinov (12) referem que iniciativas de CSR que tentam reconectar a agricultura e a sociedade podem causar frequentemente confrontações entre ambos os lados. Outro dos problemas relacionados com a aplicação de CSR com que muitas vezes as empresas se deparam é com o desconhecimento que muitas vezes têm de como devem responder a diversos desafios ambientais e sociais (13). Estes autores referem que a forma mais comum de se resolver essa situação de desconhecimento tem sido a cooperação entre empresas e organizações não-governamentais, que se têm tornado populares desde 2010, em que as empresas cooperam com estas organizações que estão mais familiarizadas com os problemas e em como os poder resolver.
Existe, no entanto, algo que ainda se encontra por aferir e responder. Se estão diagnosticadas as preferências dos consumidores relativamente à aplicação destas medidas, assim como sumarizadas as principais medidas já aplicadas pelas empresas do setor (embora em Portugal ainda nenhuma das situações aconteça, estando nós um passo atrás nesta investigação), como é que ainda não existe um estudo que confronte ambos os resultados e entenda se existe convergência entre o que vem sendo feito e o que vem sendo exigido pelos consumidores? Estarão as empresas, a olhar especificamente para o caso nacional, a aplicar as medidas de CSR que os consumidores priorizam neste momento? Ou estarão a fazê-lo de forma alheia e apenas para melhorarem a sua imagem externa sem legitimarem as suas ações? Que dimensões de aplicabilidade seguem neste momento os relatórios de sustentabilidade das empresas deste setor em Portugal? São as perguntas que ficam para reflexão e respostas futuras, numa investigação que seguirá para a frente em breve.
[1] Hierholzer, V. (2010). Alimentos de acordo com as normas: Regulação da Qualidade dos Alimentos na Industrialização de 1871–1914 – Estudos Críticos na Ciência da História (tradução). Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht.
[2] Spiller, A. et al. (2010). O que comeremos em 20 anos? (tradução). DLG-Mitteilungen, 1, pp. 20–23.
[3] Luhmann, H. & Theuvsen, L. (2016). Corporate social responsibility in agribusiness: Literature review and future research directions. Journal of Agricultural and Environmental Ethics, 29, 673-696.
[4] Berk, A. (2017). Small business social responsibility: More than size. Journal of Corporate Citizenship. Pp. 12-38.
[5] Luhmann, H. & Theuvsen, L. (2017). Corporate social responsibility: Exploring a framework for the agribusiness sector. Journal of Agricultural and Environmental Ethics, 30, 241-253.
[6] Freeman, R. E. (1984). Strategic management: A stakeholder approach. Cambridge: Cambridge University Press.
[7] Nagypál, N. (2020). Corporate social responsibility and sustainability. Sustainability, innovation and finance: Integration challenges. András Bethlendi and László Vértesy (eds) Hungary, Budapest, pp. 177-196.
[8] Erdélyi, E. et al. (2009). Internet-based CSR communication of Hungary’s top enterprises. Proceedings of FIKUSZ ’09, in L. Á. Kóczy (Ed.), pp. 71–85.
[9] Heyder, M. (2010). Strategien und Unternehmensperformance im Agribusiness. Goettingen: Cuvillier Verlag.
[10] De Quevedo-Puente, E. et al. (2007). Corporate performance and corporate reputation: Two interwoven perspectives. Corporate Reputation Review, 10(1), pp. 60–72.
[11] Heyder, M. e Theuvsen, L. (2012). Determinants and effects of corporate social responsibility in German agribusiness: A PLS model. Agribusiness, 28(4), pp. 400–428.
[12] De Olde, E. e Valentinov, V. (2019). The moral complexity of agriculture: A challenge for corporate social responsibility. Journal of Agricultural and Environmental Ethics. 32.
[13] Harangozó, G. e Zilahy, G. (2015). Cooperation between business and non-governmental organizations to promote sustainable development. Journal of Cleaner Production, 89, pp. 18-31.