O amigo optimista
Odeio optimistas.
Ok, posso estar a exagerar um bocadinho. Um optimista diria que sim.
Digamos que lhes tenho alguma aversão…mas não me considero anti-optimistas.
Até tenho amigos que são.
Aliás, tenho um amigo próximo que é bastante optimista. Muito, mesmo. Eu diria até demasiado. Ele não.
Acho sempre que os optimistas têm, no mínimo, vistas curtas: não vêem o filme todo. Vislumbram só até um pouco antes daquela parte em que as coisas se complicam. Se um optimista construir um enredo, a situação inicial passa directa ao clímax, sem qualquer tipo de conflito.
Exemplo: imaginem que um optimista escrevia, sei lá, “Os Maias”…
(um optimista que escrevesse esta crónica poria aqui um exemplo menos óbvio, saberia que os seus leitores o reconheceria de imediato, e os que não o fizessem logo chegariam a ele com uma rápida pesquisa; já eu menciono o clássico de Eça de Queiroz mais por medo de me estatelar ao comprido se usar um outro livro que a minha fraca memória consiga destruir por completo).
Portanto, “Os Maias” escrito por um optimista — não haveria complicação nenhuma:
1) Carlos conhece Maria Eduarda;
2) alguém avisa “olha lá, pá, que é tua prima”;
3) Carlos piscaria o olho enquanto exclamava, com um toque de cotovelo, “quanto mais prima, mais se lhe arrima!”;
4) fim de livro, impecável, bonita história de amor.
Voltemos ao meu amigo optimista. Quando soube que eu iria passar a escrever uma crónica periódica na Comunidade Cultura e Arte reagiu com um rasgado sorriso. “Excelente! Que oportunidade para ti! Vai ser muito bom!”
Disse-lhe que se deixasse de fantasias, que nem sabia bem no que me estava a meter, que tudo isto provavelmente iria ser um grande erro.
Respondeu de pronto com frases que nem ouvi, calculo terem sido algo como “Nada disso, deixa-te de pensamentos negativos, para a frente é que é o caminho, que este se faz caminhando, etc”, provavelmente até recitou a tabuada do nove, eu sei lá.
Arrependi-me de lhe ter dito, de o ter ouvido, de o conhecer, de existir. Mas lá segui, esperando o pior, com o copo meio vazio metaforicamente na mão.
Pensei durante dias sobre o que escrever. Logo agora que tinha esta chance a minha imaginação falecera.
— É a guerra, pá — desabafei com o meu amigo optimista — esta puta desta guerra… como é que posso escrever o que quer que seja?
— A guerra? Não vai haver guerra nenhuma! Mas alguém quer a guerra? O Putin está só a fazer bluff para aumentar o preço do gás.
Nos dias seguintes o meu amigo optimista jurava a pé juntos que a ocupação das zonas separatistas seria “o máximo de guerra que vai haver”, e que iria ser uma coisa mais ou menos controlada porque ninguém iria fazer frente aos russos.
”Nada de dramas, vais ver, a guerra vai ser pacífica”.
Na quinta-feira, após a escalada de violência em território ucraniano, o meu amigo optimista perguntou-me como ia a crónica (curiosamente não me falou da Rússia). Respondi-lhe que estava a zeros, que não tinha tido nenhuma ideia decente, que só conseguia pensar naquele vídeo do homem que se separa da filha para ficar a defender a pátria; que o Putin era um tresloucado, que (eu) estava cagadinho de medo e que as únicas coisas que me fizeram rir foram a frase “Há bombardeamentos, Zé!” da CMTV e o poema a la Dylan Thomas que o Nuno Rogeiro improvisou quando conseguiu desligar aquele tablet gigante (do not go gentle into that good screen, Nuno) em directo na SIC — tudo isso enquanto me sentia um cínico de merda por estar a gozar com o trabalho e a desgraça dos outros.
O meu amigo optimista aproveitou para me acalmar.
“Pá, relaxa. Escreve uma porcaria qualquer. Estás com medo de quê? O mundo até deve estar para acabar…”
Odeio optimistas. E isto não faz sentido nenhum.