Fila na bomba de gasolina
Estar parado, sem saber porquê, irrita. Nunca percebi os processos que me transportavam para aquela irritação, mas fosse pelo que fosse, a irritação de estar ali parado crescia dentro de mim para além do aceitável. Aquilo era mesmo inaceitável. Queria que a fila avançasse, que a minha vez chegasse, de uma vez por todas. Queria abastecer e sair dali para fora.
Era sábado e não tinha mais nada para fazer há semanas. Dormir até mais tarde, ou até me apetecer. Acordar e não tomar banho nem mudar de roupa. Sair de pijama à rua para comprar os croissants que andei a adiar a semana toda. Pagar por eles e voltar a casa pelo mesmo caminho, subir as escadas, descalçar e sentar-me no sofá até adormecer outra vez. E, ao fim da tarde, agora sim, um duche, umas calças de fato de treino depois e estava a entrar no carro a caminho da bomba de gasolina. O carro era como eu, uma máquina que durante cinco dias tinha utilidade, e durante outros dois, era reabastecida de energia e dignidade. Tudo graças a uma bomba de combustível e a uma estação de lavagem à pressão.
Ali, na fila, pensei nos pobres que, do outro lado do mundo, me impressionavam com os seus sofrimentos. Há três semanas que as notícias me perseguiam como um predador segue a presa. Éramos muitos nessa posição, ainda assim, já sentia que era demais. A culpa de tudo aquilo não me iria cair em cima outra vez. Parece que nós é que temos a culpa daquelas atrocidades. Assim, seremos os culpados de todas as atrocidades do primeiro contra o terceiro mundo, do ocidente contra o oriente, do capitalismo contra o socialismo e sei lá mais do quê.
O meu pai tinha tratado disso por mim. O meu pai tinha feito pazes com o mundo, antes de mim, por ele, por mim e pelos filhos que virei a ter um dia. Nasceu pobre e só teve sapatos aos sete, passou quase fome e nunca soube o que era um doce na infância, foi à guerra dar e levar, lutou contra o fascismo, participou em todas as manifestações e até morrer me disse sempre: Fiz tudo isso para que tu não tenhas de voltar a fazer o mesmo. Foi esse o seu mantra e seria esse também o meu.
Aqui, a fila avançou e fiquei em penúltimo na ordem da minha bomba. Era o pior momento, aquele em que todos os pormenores contavam. Contei o tempo em que o homem demorou a sair do carro, a abrir o porta-bagagens para procurar o cartão de desconto, o tempo de colocar as luvas descartáveis, de usar um papel absorvente à volta do bocal… Tudo pormaiores na minha espera. Sempre pensei que essas afectações eram só comigo, mas pelos vistos não. No carro à minha frente, uma mulher, enorme e loira, saiu da sua viatura e sem explicação começou a bater com o tacão do sapato, que já levava na mão e não no pé, na traseira do outro carro. Começava uma discussão, pior ainda, uma altercação, visto o ajuntamento do passageiro dele e da passageira dela numa escalada de acontecimentos que, ao som da buzina de outra das viaturas, me fez levantar o som da rádio. Era sábado e na frequência passava um clássico dos Sex Pistols. Desliguei-me finalmente a pensar, eles é que sabem, o problema não é meu.
sa posição, ainda assim já sentia que era demais. A culpa de tudo aquilo não me iria cair em cima outra vez. Parece que nós é que temos a culpa daquelas atrocidades. Assim, seremos os culpados de todas as atrocidades do primeiro contra o terceiro mundo, do ocidente contra o oriente, do capitalismo contra o socialismo e sei lá mais do quê.
O meu pai tinha tratado disso por mim. O meu pai tinha feito pazes com o mundo, antes de mim, por ele, por mim e pelos filhos que virei a ter um dia. Nasceu pobre e só teve sapatos aos sete, passou quase fome e nunca soube o que era um doce na infância, foi à guerra dar e levar, lutou contra o fascismo, participou em todas as manifestações e até morrer me disse sempre: fiz tudo isso para que tu não tenhas de voltar a fazer o mesmo. Foi esse o seu mantra e seria esse também o meu.
Aqui, a fila avançou e fiquei em penúltimo na ordem da minha bomba. Era o pior momento, aquele em que todos os pormenores contavam. Contei o tempo em que o homem demorou a sair do carro, a abrir o porta-bagagens para procurar o cartão de desconto, o tempo de colocar as luvas descartáveis, de usar um papel absorvente à volta do bocal… Tudo pormaiores na minha espera. Sempre pensei que essas afectações eram só comigo, mas pelos vistos não. No carro à minha frente uma mulher, enorme e loira, saiu da sua viatura e sem explicação começou a bater com o tacão do sapato, que já levava na mão e não no pé, na traseira do outro carro. Começava uma discussão, pior ainda uma altercação visto o ajuntamento do passageiro dele e a passageira dela numa escalada de acontecimentos que, ao som da buzina de outra das viaturas, me fez levantar o som da rádio. Era sábado e na frequência passava um clássico dos Sex Pistols. Desliguei-me finalmente a pensar, eles é que sabem, o problema não é meu.