‘Wind River’, Taylor Sheridan criou novamente um dos thrillers do ano

por João Estróia Vieira,    19 Agosto, 2017
‘Wind River’, Taylor Sheridan criou novamente um dos thrillers do ano

Como actor Taylor Sheridan deu-se a conhecer pela sua aparição na aclamada série Sons of Anarchy, mas é como guionista que tem trilhado o seu caminho nos últimos anos, e com enorme sucesso. Depois de escrever o fantástico Sicario (obra superiormente realizada por um dos realizadores mais entusiasmantes dos últimos anos, Denis Villeneuve) e de em 2016 ter escrito Hell or High Water, filme realizado por David Mackenzie, que esteve em exibição no Lisbon & Estoril Film Festival, em 2017 é a vez de Taylor Sheridan conquistar as salas de cinema em Portugal na pele de realizador com o desconcertante Wind River.

Há nos filmes de Taylor Sheridan um condão constante pela crítica social. Em Sicario tínhamos a luta fronteiriça entre os EUA e o México contra os cartéis de droga e a corrupção das forças policiais, já em Hell or High Water era uma batalha contra o capitalismo, causador de tanta miséria e o consequente abandono do interior texano, entretanto esquecido. Em Wind River, o significado não é tão óbvio, mas à medida que nos aproximamos do final, o caminho trilhado pela narrativa de Sheridan não deixa de o clarificar.

É uma América selvagem aquela que Taylor Sheridan cria, idealiza e nos mostra nas suas obras. Uma América onde a beleza, constatável nas paisagens naturais, no ambiente e, por consequência, na fotografia sempre fantástica dos seus filmes, se confronta – e nos confronta – com o selvático geralmente oriundo da natureza (e profundeza) humana, cruel e crua nas suas acções. Wind River não é excepção; pelo contrário, é o filme onde a diferença entre o lado humano e animal é menos tangível e ambos se confluem num só, despojados de sensibilidade, racionalidade e, por fim, perdão, característica que nos é tão necessária.

Wind River começa com uma morte, a morte que irá conduzir toda a narrativa de um filme que em termos de escrita é bem mais simples que os antecessores criados por Sheridan, mas que por outro lado compensa na agudez e na dor transportada pelos seus personagens, assim como pela forma como se impõem pelo seu contexto ou o seu passado. É o caso de Jeremy Renner que volta em grande a protagonizar um filme depois do fiasco que foi ter sido a figura principal da saga Bourne e de nos últimos anos ser mais habitual vê-lo em segundo plano (como em Arrival, curiosamente realizado por Denis Villeneuve). Renner é Cory Lambert, um tracker, um caçador habituado a matar animais selvagens que atormentam o gado em zonas onde a neve cobre tudo quanto pode na reserva índia que dá nome ao filme. Mais do que isso, a personagem de Renner é composta de silêncios poderosos e olhares dolorosos, originários da tragédia pessoal que o atormenta desde um passado recente; e Renner interpreta na perfeição esse peso da sua existência.

Elizabeth Olsen é Jane Banner, a agente do FBI destacada para investigar a morte, e cedo se percebe, nesta sua primeira missão, que está completamente fora do seu habitat. À semelhança da personagem protagonizada por Emily Blunt em Sicario, o crescimento da personagem de Elizabeth é também ele visível e gradual. A mulher insegura que nos aparece pela primeira vez no ecrã não é a mesma no final, símbolo de emancipação num Mundo onde a crueldade à sua volta é maioritariamente criada dos homens. Brilhante performance.

Se o final de Sicario já tinha sido desconfortável, nunca se estará bem preparado para viver com a crueldade que Sheridan nos mostra nos últimos minutos de Wind River. Desconcertante, desconfortável e incómodo são palavras simpáticas para definir algumas das cenas mostradas por um flashback explicativo de todos os acontecimentos. O cinema de Sheridan é feito de traços comuns, mas cada um desses traços traz consigo uma uma frescura de se aplaudir e uma capacidade de nos causar desconforto ao mesmo tempo que nos mete a pensar sobre o sucedido.

Destinado a passar despercebido nesta altura do Verão entre tantos blockbusters de entretenimento fácil que têm uma máquina de marketing a funcionar na sua promoção, Wind River é, ainda assim, de longe, muito mais filme e um dos grandes acontecimentos nesta altura do ano em que a pobreza de conteúdo assalta as salas de cinema.

 

 

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