‘Sketches of Brunswick East’: deambulações influenciadas por jazz
Depois de um exercício na sonoridade microtonal e de um ambicioso projecto conceptual que fala de bestas fantásticas e máquinas de vómitos, os proficientes King Gizzard and the Lizard Wizard decidiram enveredar por um caminho diferente no seu terceiro álbum de 2017. Por esta altura do campeonato, o septeto australiano já conta com dez álbuns sob a sua alçada e no seu décimo primeiro decidiram inovar mais uma vez: é o primeiro que resulta de uma colaboração, com a banda Mild High Club, o projecto de Alexander Brettin cheio de pinta e influenciado por jazz. Depois de a banda ter passado pelo Gizzfest (o festival de música organizado pelos King Gizzard anualmente na Austrália e que passa por várias cidades do país), Brettin ficou umas semanas em casa do frontman da banda australiana, Stu Mackenzie, e gravaram pequenas ideias para músicas nos seus telemóveis, que chamaram de sketches. Mais tarde, quando se encontraram novamente, pegaram nessas ideias e nasceu Sketches of Brunswick East, um nome que presta homenagem ao aclamado Sketches of Spain de Miles Davis e ao subúrbio de Brunswick Este na Austrália. E qual Han-Tyumi assassino do universo (um dos personagens no álbum anterior, Murder of the Universe) os King Gizzard and the Lizard Wizard engolfam Mild High Club numa digestão musical agradável de se ouvir e de abordagem interessante.
O psicadelismo característico de Mild High Club funde-se com a intensidade de King Gizzard num álbum relaxado, perfeito para se ouvir num final de tarde solarengo. Transparece o estilo do grupo fundado por Alexander Brettin, notamos influências de Skiptracing (o álbum de Mild High Club lançado no ano passado) neste projecto conjunto, especialmente em temas como “Rolling Stoned” ou “Countdown”. Há uma atmosfera de familiaridade, um retorno a sonoridades previamente exploradas noutros álbuns da banda: ouvimos a suave “liberdade” de Paper Mâché Dream Baloon trazido ao mundo do jazz e Quarters! e a sua fusão de géneros. Em “D-Day”, o timbre do instrumento que dá vida ao riff lembra Flying Microtonal Banana e se prestarmos atenção conseguimos ouvir Han-Tyumi em “Tezeta”. No entanto, a sonoridade descontraída faz com que este álbum destoe de Murder of the Universe, mas mais uma vez a fluidez que caracteriza esse e outros lançamentos da banda está presente em Sketches of Brunswick East, as músicas escorregam sem pressa umas para as outras.
É um álbum com improvisação e entre experimentações e momentos mais abstractos vai mostrando algumas valências desta união de bandas e os melhores momentos surgem quando essa simbiose é mais notável. A faixa instrumental que inicia o álbum, “Sketches of Brunswick East I”, passeia-se pelos ouvidos e prepara os ouvintes para o que aí vem: um “mistério” que deambula pelo jazz sem nunca o tratar pelo nome próprio. Alimentado pelo silvar sedutor de uma melodia cativante de flauta, o tema introdutório volta a ouvir-se a meio e no final de Sketches of Brunswick East. Flauta e vibrafone preenchem o espaço sonoro com uma leveza transcendente e são de destacar, são os instrumentos que mais ajudam a definir musicalmente o sítio no meio de nuvens e céu azul certamente imaginado pelo ouvinte. Há pormenores notáveis que interessam ser referidos: o solo estilo “formigueiro” que se faz ouvir em “Countdown” que complementa a letra jovial de contagem decrescente para o fim da vida que Stu profere em falsete. A maneira como “Tezeta” se assemelha a um malabarismo de emoções, com a música a alternar eficazmente entre algo mais feliz e algo mais sério, sempre com uma leviandade prazerosa. A estranheza implícita de “The Book”, que serve como uma metáfora sonora para a letra temível de um crente que vive segundo as violentas regras da escritura religiosa a que obedece.
É certamente o álbum mais pop de King Gizzard and the Lizard Wizard nesta trilogia de lançamentos em 2017 e Stu Mackenzie e os seus pupilos, com o auxílio de Mild High Club, conseguem criar um álbum que espelha tranquilidade. Mas apesar de ser um álbum fácil de ouvir e de apreciar, as ideias por trás de algumas músicas soam difusas, espalhadas pelos cantos da construção sonora, sem terem o tempo necessário para maturarem, especialmente nos momentos instrumentais; “A Journey to (S)Hell” é demasiado caótica para soar a algo concreto, no meio de sons a simular sirenes e barulhos ligeiramente ensurdecedores a música tenta ser tudo e acaba por não ser nada. “Rolling Stoned”, “Dusk To Dawn On Lygon St” ou a já referida “D-Day” também exemplificam este problema com o álbum, pois não sendo músicas más acabam por se perder na sua repetição de uma determinada melodia ou motivo musical. Soam a ideias do momento, algo que merecia mais trabalho por trás da sua execução, temas de “cabeça quente”, em que parece que da criação para execução o tempo que passou foi praticamente inexistente.
Sketches of Brunswick East é mais um álbum que valida o modus operandi de King Gizzard and the Lizard Wizard: podiam fazer vinte álbuns com umas guitarradas, riffs suculentos e a intensidade jovial que demonstravam especialmente no começo “distante” da sua carreira. Mas a sua missão é outra, o seu fado é a exploração sonora, descobrir até onde esticar a corda, saber como fazer a música mais simples possível de todos os estilos e maneiras imagináveis, e isso diz muito sobre a versatilidade e criatividade do septeto australiano. Esta colaboração com Mild High Club é só mais uma prova dessa ânsia por fazer diferente. Conseguiram enaltecer os melhores atributos do grupo liderado por Alexander Brettin e modificá-los para continuar a fazer parte da identidade de King Gizzard. Apesar de o projecto soar apressado em alguns momentos, não há dúvida de que a banda continua a surpreender. Quem esperava que depois de um álbum conceptual de rock mais aguerrido como é Murder of the Universe, a banda fosse travar a fundo e trouxesse uma sonoridade mais delicada? É essa imprevisibilidade que suscita a curiosidade nos seus fãs, a certeza de que os projectos musicais de King Gizzard and the Lizard Wizard vão sempre entreter-nos das mais variadas formas.
Músicas preferidas: “Countdown”, “Tezeta”, “The Book” e “You Can Be Your Silhouette”
Músicas menos apelativas: “A Journey to (S)Hell”