‘SATURATION II’, a sequela que espelha a juventude de Brockhampton
Os Brockhampton são um dos grupos mais surpreendentes a surgir no mundo do hip-hop nos últimos tempos. A intitulada “All American Boy Band” conta com quinze membros e apesar de nem todos divagarem pela arte das rimas ou pela produção de instrumentais cativantes, todos eles remam na mesma direcção e todos têm como objectivo a expressão artística, sempre fiel aos seus princípios. Em Junho lançaram SATURATION, um álbum prazeroso e uma aposta forte nas principais valências do grupo: letras sinceras e emocionais, e batidas e hooks entusiasmantes que teimam em percorrer a mente, neurónio a neurónio.
A espera pela sequela foi curta: quase três meses depois chega SATURATION II, o segundo capítulo da agora revelada trilogia de álbuns planeada para este ano pelo grupo norte-americano. O título para este conjunto de álbuns é adequado: Brockhampton almeja a fartura, procura “entupir” os canais auditivos até à saturação, providenciar os seus fãs com mais música do que a que conseguem absorver. É uma abordagem curiosa e arriscada caso o excesso sonoro acabe por aborrecer. No entanto, o segundo álbum de Brockhampton é um projecto bem conseguido e que volta a demonstrar a qualidade da boy band, apesar de não arrebatar o ouvinte da mesma forma que o seu antecessor o faz.
Comecemos pelas semelhanças: continua a transparecer a grande qualidade na produção, algo evidente logo na faixa de abertura. “GUMMY” parece emular o G-Funk através de um sintetizador semelhante a um zumbido e uma atmosfera oriental, um tema de braggadocio orgulhoso com um verso especialmente acutilante de Kevin Abstract a abrir a música. “FIGHT” é sincera, desafiante e pronta para o combate, e aposta mais uma vez nessa atmosfera arábica habilmente construída, mostrando um curto mas potente hino à perseverança e à luta contra o racismo, com um instrumental que rivaliza as sinceras palavras de Ameer Vann, Dom McLennon e Kevin Abstract. “SWEET” “revitaliza” o boom bap com uma batida para abanar a cabeça e um hook sedutor de Abstract, uma música mais leve e descontraída mas que não deixa de ser uma das pérolas do álbum.
Continuam a falar das grandes questões que os assolam, como mostra a já referida “FIGHT” ou “JUNKY”, uma das melhores músicas do projecto. Sob uma batida desconfortável, Brockhampton discutem temas como a homofobia, adição, pressão parental e machismo. É um tema ameaçador e sério, e a batida ajuda a instaurar um certo “horror”, e os versos tensos e resolutos dos intervenientes estão em perfeita sintonia com a mesma. Continuam também a contar com Roberto, o narrador de alguns interlúdios espalhados pelo álbum, oferecendo alguma clarividência sobre a procura de identidade (“SCENE 1”) e sobre a família que o narrador quer proteger (“SCENE 2”, que, curiosamente, surge depois de “JUNKY” e antes de “FIGHT”).
Há também algumas melhorias em relação a SATURATION. O segundo capítulo mostra uma atmosfera mais acelerada, com menos altos e baixos e um andamento mais activo, algo certamente beneficiado por uma duração menor de SATURATION II quando comparado com o seu antecessor. “QUEER” consegue alternar com sucesso entre dois ambientes sónicos, com uma intensidade caótica nos versos e um hook mais contido, lembrando “BUMP” do primeiro álbum, com uma optimização inerente. Adicionalmente, o flow de alguns membros denota uma evolução na capacidade lírica, especialmente em “JELLO”, munida de mais um hook infeccioso, cortesia de Kevin Abstract. No entanto, as vozes alteradas dos rappers não têm grande sentido nesta música e em “SWAMP”, apenas o verso de Ameer Vann soa alterado, sem motivo aparente para isso.
Essa dúvida e interrogação não é só perceptível nesse aspecto das músicas: em “TEETH” ouvimos um desabafo sentido de Ameer mas ficamos sem perceber exactamente o porquê daquele momento no álbum. “JESUS” mostra algo muito idêntico: há uma melancolia e sinceridade associada à voz de Kevin Abstract mas à semelhança de “TEETH” a ideia soa incompleta, parece que começaram a construir uma música e deixaram-na a meio por alguma razão que escapa ao ouvinte e talvez aos autores. A colocação na tracklist também não é a melhor: depois de “SCENE 1”, “TOKYO” soa pronta para fazer arrancar o álbum de novo mas essa sensação é interrompida por “JESUS”, que corta instantaneamente o pulso ao projecto.
A sensação de música incompleta é evidente não só nos interlúdios mas também em alguns dos temas, e espelha a juventude da colectiva. Parece que rapidamente se fartam de algo e partem para a próxima ideia brilhante: “CHICK” soa truncada, uma demo de produção vistosa e um final glorioso, mas a música denota uma pressa para acabar, cospem-se três versos e uma repetição final e está feito outro tema. EM “SUNNY”, transparece uma sensação de “objectivo cumprido”, de conclusão da caminhada, mas é sol de pouca dura (e os berros de Merlyn Wood são por vezes bastante irritantes, não só nesta música, são em demasia e excessivamente abrasivos ao longo do álbum). Este planeamento menos bom e expressão musical a que parece faltar algo mostra que ainda há algumas falhas na abordagem musical do grupo.
Em SATURATION II, Brockhampton voltam a apostar nas qualidades que os distinguem do restante universo musical. As batidas soam mais refinadas e os rappers mais assertivos. Mas por vezes soa apressado, e há uma certa preguiça associada a alguns dos seus momentos, uma sensação de ideias que não foram exploradas até desenvolverem o seu máximo potencial. As fraquezas do projecto anterior foram mais uma vez confirmadas mas as qualidades também, e os rapazes mostram que aprendem com o seu percurso. Esperemos que no terceiro e último capítulo desta trilogia de introdução à boy band de rappers, a virtude e criatividade que têm demonstrado sejam mais uma vez replicadas, sem perder o encanto e emoção que caracteriza Brockhampton.
Músicas preferidas: “GUMMY”, “QUEER”, “TOKYO”, “JUNKY”, “FIGHT” e “SWEET”
Músicas menos apelativas: “SWAMP” e “GAMBA”