‘Orc’ não equilibra bem a estrutura e experimentação dos Oh Sees
Orc é o décimo nono álbum lançado pelos (Thee) Oh Sees nos últimos quinze anos. A banda, que teve diversas mudanças na formação e até no nome do projecto, vai ainda este ano lançar um vigésimo álbum. Para lá da quantidade, vale a pena referir que o esforço criativo tem resultado numa consistência qualitativa impressionante, produzindo álbuns muito bons – ou até excelentes – paralelamente a tours intermináveis, ao longo das quais são reconhecidos como um autêntico portento ao vivo. A mistura de psicadelismo e folk pastoral, espalhada sobre uma base de rock de garagem, simplesmente não se esgota, com uma inventividade que faz cada lançamento soar fresco.
A sequência de óptimos álbuns iniciada em 2011, com Carrion Crawler/The Dream, tem-lhes trazido bastante notoriedade no ramo da música alternativa. Este Orc é o primeiro que parece vacilar. John Dwyer, o mastermind do projecto, sempre teve impulsos experimentais que acabavam por conferir a tal frescura à música. Desta vez, o álbum arrasta-se parcialmente nesses impulsos, que se convertem em devaneios pouco interessantes, maioritariamente na segunda metade do disco. Já a primeira, como de costume, entusiasma e destrói.
“The Static God” começa com um ritmo compacto e galopante (isto caso o equídeo em questão tivesse atrofia muscular, e não soubesse galopar regularmente), que parece correr para tentar apanhar os riffs de guitarra insanos. Esta aparente dessincronia é apenass isso mesmo – aparente; e atrai as atenções para a canção, que se revela colorida e despreocupada, com mais umas guitarradas solarengas e coros de “oooooh-ooo-oh”. Em “Nite Expo”, figura a famosa voz demoníaca de Dwyer, elevada por linhas de baixo que apetecem trautear, teclas espaciais dignas de um genérico televisivo dos anos 80 e um refrão composto por um riff glorioso. “Animated Violence” é apenas mais uma prova de que se um baterista é bom, dois bateristas são ainda melhores. Enquanto um marca o tempo, o outro pode dedicar-se a massacrar os tambores de forma complexa; se bem que geralmente acabam por tocar em simultâneo, enriquecendo a percussão que assim não se perde no meio da distorção mais potente do álbum.
Se “Keys to the Castle” começa como mais uma divertida bomba dos Oh Sees – semelhante a uma “Poor Queen”, canção de Mutilator Defeated at Last, excelente álbum de 2015 – acaba por se converter num dos devaneios já referidos ao fim de apenas dois minutos. Seguem-se então seis minutos de uma batida lenta que se vai afogando em drone e violinos pastosos. Se houvesse algumas nuances que tornassem a audição mais interessante, tudo bem; mas a canção simplesmente vai desaparecendo, sem deixar grande marca. O maior problema é que o número se repete em “Drowned Beast”, canção posterior. Este tipo de estrutura composicional surgiu recentemente nos dois álbuns que a banda lançou em 2016 – o gramaticalmente duvidoso par, constituído por A Weird Exits e An Odd Entrances – embora nesses tenha resultado em canções mais interessantes, como “Jammed Exit” ou a valsa de “Crawl Out From the Fall Out”.
Outras das experimentações acabam por ser mais interessantes, contudo, não muito memoráveis e até possivelmente cansativas. “Cadaver Dog” tem um óptimo riff, que ecoa pela canção, e o uso de um feedback que sufoca os nossos tímpanos, mas são momentos pontuais que não compensam a mornidão do que está por trás. “Cooling Tower” é repetitiva e transmite uma sensação de falta de sentido. Esta última parece até estar a mais no álbum, que é marcadamente mais longo que os anteriores, ultrapassando a marca dos 50 minutos, quando os outros nem aos 40 chegavam.
“Jettisoned“ completa a primeira metade do álbum em estilo, chamando a atenção para algo que normalmente é secundário na música dos Oh Sees: as letras. “You can keep your nose buried deep yeah/Pinched inside a vice/Who likes sugar in their coffin?/The underground is twice as nice yeah” parece referenciar o uso abusivo de cocaína. O terceiro verso, principalmente, é mordaz na analogia entre a droga e o açúcar. Quem espera ouvir “coffee” é confrontado com a mortalidade conjurada por “coffin”.
A segunda metade completa-se com “Raw Optics”, que fecha o álbum de forma semelhante a An Odd Entrances e a sua “Nervous Tech (Nah John)”, isto é, com uma massagem auditiva que reflecte a redobrada preocupação da banda com a produção do som. O solo de bateria(s), quase marcial, é um possível indutor de pele de galinha em toda a sua relativa simplicidade. Depois, os graves murmurantes soam a uma oração dita para dentro, que faz vibrar a caixa torácica.
O que este álbum prova é que os Oh Sees continuam a ligar muito à estrutura, quer na ordenação das canções, quer na construção das mesmas; ainda que o caos que reina nalgumas delas pareça ditar o contrário. É uma das suas características mais importantes, que acaba por ter mais efeito quando essa estrutura é complementada com uma saudável dose de experimentação. Aqui, esse equilíbrio está menos aprimorado, mas a banda já deu provas suficientes da sua fiabilidade. Que venha a reinvenção do próximo disco.