Mobilidade condicionada. Como serão os próximos festivais de verão?
“Podes fazer marcação do lugar para máximo de 3 artistas/atuações”, é uma das frases que se lê quando nos inscrevemos no serviço criado pela organização do NOS Alive para grávidas e pessoas com mobilidade condicionada.
Em 2019 as minhas irmãs, Rita e Inês, compraram bilhete para um dia do festival. Contactei a promotora do evento, Everything is New, para conseguir mais informações sobre o acompanhante. A lei portuguesa não prevê que a pessoa com deficiência tenha direito ao acompanhante e sabemos que no acesso à cultura fica ao critério de cada entidade a prática que tomam.
Neste telefonema foram claros que a lacuna na lei servia de escudo para se defenderem dos bilhetes cobrados ao acompanhante. Ficámos esclarecidos que não devíamos pronunciar que o acesso ao festival era discriminatório, isto porque, “até” tinham um espaço para receber a pessoa com deficiência.
Lembramo-nos de imediato que em 2018 líamos no Público um artigo de Carolina Pescada sobre este tema, no decorrer de uma situação semelhante partilhada e vivida por Raquel Banha, sobre a falta de proteção que a lei oferece à pessoa com deficiência e a consequente autonomia que os espaços culturais têm para decidir sobre a sua resposta.
O NOS Alive regressa este ano, a lei continua com a lacuna, o meu bilhete serve para acompanhar ambas.
Conhecemos agora as condições do serviço criado pelo festival, já anunciado em 2019, que nos deixa com muitas dúvidas: de que forma se mostra exclusivo na vez de inclusivo?
A planta do festival não suscita dúvidas quanto à infraestrutura criada para a acessibilidade motora. Mas a comunicação romantizada deste espaço nas redes sociais, não esclarece o que esta imagem traduz na prática.
Primeiro, a pessoa nesta condição deve inscrever-se para frequentar a área reservada ao serviço, e deste modo tem prioridade na disponibilidade do mesmo. De seguida, a pessoa com mobilidade condicionada, tem de comprovar a sua incapacidade com atestado médico.
Mas os bilhetes já por si não deviam ser lugares disponíveis? Não, pois não existem bilhetes para mobilidade condicionada, daí a promotora ter dificuldade em gerir o cálculo de pessoas com deficiência a frequentar o espaço. É gravíssimo esta questão não estar legislada, pois deixa-nos dúvidas sobre a fiabilidade dos planos de evacuação e segurança do recinto.
Outro passo da inscrição online, é termos de decidir e comunicar o máximo de 3 concertos que desejamos ver. Cada pessoa nesta condição deve pagar o preço de 2 bilhetes e tem de escolher as horas de frequência ao espaço de acessibilidade. Este espaço serve apenas, com todas as suas condicionantes, para a pessoa com mobilidade condicionada e “um acompanhante adulto por inscrição”, não pode ser frequentado por um grupo de amigos ou famílias.
A ideia de inclusão do NOS Alive ao dividir pessoas em categorias está muito para além do correto e expectável dever cívico. O bom exemplo seria colocar o dedo na ferida que é a lacuna na lei e pensar em criar recintos totalmente acessíveis. Não nos reservem zonas deturpadamente mais “cómodas”, não desejamos uma zona VIP, desejamos privar com quem queremos num recinto acessível a todos os palcos, a qualquer hora e onde a sua disponibilidade e permanência não seja restringida. Este episódio repete-se em constância, na exaustão de quem não se deseja ver num gueto, mas sim em sociedade.
Como serão os próximos festivais deste verão, como vão fazer, sobre que bases vão agir?
A farsa da inclusão onde ela não existe, alimenta centenas de gostos numa partilha nas redes sociais, onde só os mais distraídos podem achar que existe o mesmo espaço para todos.
Crónica de Lúcia Lagartinho.
A Lúcia nasceu em Lisboa, tem 30 anos, e estudou fotografia e cultura visual no IADE.