A importância da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento
Ainda sobre a polémica que reacendeu relativamente à disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, a propósito da objecção de consciência de um pai para impedir que os filhos frequentem a disciplina, convém resgatar alguma lucidez.
Antes de mais, o objectivo da disciplina é claro: contribuir para a formação de pessoas responsáveis, autónomas e solidárias. E vai ao encontro do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (2017), documento fruto de um consenso quanto à importância de a Escola organizar os seus conhecimentos numa perspectiva holística. Neste sentido, os conteúdos da disciplina relacionam-se com os Direitos Humanos, a sustentabilidade ambiental, a interculturalidade, a saúde, a segurança rodoviária e a igualdade de género.
Curiosamente, não fizeram objecção de consciência às restantes disciplinas obrigatórias do currículo escolar, onde também se estudam, a título de exemplo, os direitos fundamentais, as alterações climáticas e as crises humanitárias. Estas informações encontram-se plasmadas no Perfil acima mencionado, e convergem para uma educação de base humanista, inclusiva e que visa fomentar a criatividade e o espírito crítico.
Qualquer dia, algum Encarregado de Educação achará que é sensato boicotar, sem fundamento científico, as disciplinas de Ciências Naturais ou Português, porque os conteúdos das mesmas são “ideológicos”. Aí, talvez façam uma objeção ao estudo do sistema reprodutor, por ser passível de corromper as mentes impolutas dos adolescentes, ou à leitura das obras de Saramago que, pela sua filiação política, seriam doutrinação.
De modo a evitar mal-entendidos sobre a natureza e a construção do currículo escolar, convém distinguir “ideologia” e “conhecimento”. Primeiramente, a aprendizagem dos Direitos Humanos não é um conteúdo ideológico. O conhecimento existente neste âmbito decorre da produção científica de áreas como as Ciências Sociais, as Ciências Naturais e a Medicina. Aliás, os temas concernentes à identidade de género não se enquadram na afamada “ideologia de género”, designação rejeitada pela comunidade académica.
Existindo bom senso, não há incompatibilidade entre os conteúdos plasmados nesta disciplina e a educação de uma criança num seio familiar que, evidentemente, possui a sua própria bagagem cultural, convicções políticas, credo religioso e visão do mundo.
Note-se que o seio familiar não é o único meio a que uma criança está sujeita. Será a soma das suas vivências que a irá formar como cidadã e pessoa. Existem pais que, numa lógica individualista, consideram que, por cumprirem com os seus deveres familiares, merecem a recompensa de exercer controlo total sobre a exposição cultural dos seus educandos.
O facto de a Declaração Universal dos Direitos Humanos garantir aos pais a opção pelo género de educação que devem dar aos filhos não se aplica a este caso, pois trata-se de um conjunto de conteúdos suportados ética e cientificamente.
Assim, perspetivar os alunos como futuros cidadãos integrados numa sociedade global e intercultural na qual são responsabilidade do coletivo implica que os preparemos para o cumprimento de futuros deveres, daí a relevância desta disciplina.