Entre os favoritos “Raticida” e “Ice Merchants”, há um “Garrano” à espreita
O 30.º Curtas Vila do Conde está muito bem. E recomenda-se! Depois de conhecermos o conjunto de filmes da Competição Nacional, o que importa salientar é, desde logo, um elevado nível de qualidade que ombreia, sem traumas, com os filmes da secção internacional. E salta à vista um grupo restrito de candidatos claramente merecedor de prémios. Mas se é certo que as fascinantes ideias de cinema dos três filmes titulados se destacam, existe ainda um notável conjunto de fitas que dignifica bastante o estatuto da presença nesta bela montra de curtas nacionais e que auspicia uma carreira digna. Aí, verdade seja dita, o Curtas tem culpas no cartório, pela responsabilidade na criação de sucessivas gerações de cineastas. E um deles é João Pedro Rodrigues, de que quem veremos o seu último trabalho, Fogo-Fátuo, na sessão de encerramento, no próximo sábado dia 16. Que já esta quinta-feira estará num encontro com Marie Losier, acompanhado de Sandro Aguilar.
Trio maravilha
Falemos então deste trio maravilha. É certo que Ice Merchants, a segunda animação de João Gonzalez, premiado em Cannes, na Semana da Crítica, se perfila imediatamente como candidato putativo a melhor curta nacional do festival. Desde logo pela ideia singela de um pai que converte água em gelo na sua casinha presa no alto das montanhas para vender com o filho as pequenas pedras de gelo na pequena aldeia minúscula após cada salto de paraquedas. Muito mais haveria a dizer da simplicidade das linhas alongadas, da tremenda cumplicidade de ambos, bem como do elemento que falta neste agregado que reaprendeu a viver.
No entanto, idêntica atenção deveria merecer Raticida, o trabalho notável de João Niza Ribeiro (igualmente a sua segunda curta), pela forma como aborda a nossa desumanidade e a confronta com o que ela tem de mais repelente. Quando as ratazanas invadem o quarto de pensão de um funcionário (tremenda prestação de João Negrão) cujo dia é passado a debitar números de bingo, o confronto com a casta dos humanos que o rodeiam – seja na pensão ou na plateia à procura do número da sorte – confere a este drama uma inesperada dimensão de terror. Um trabalho de mise en scène muito competente, aliado a uma interpretação rigorosamente adequada.
Por fim, o elemento destabilizador (e imprevisível) da animação vibrante e inquieta de Garrano, em que dupla David Doutel e Vasco Sá traduzem essa força escondida das criaturas indomáveis. Como o cavalo Garrano, que dá o nome ao filme, como o garoto Joel, empurrado para uma vida indómita.
São igualmente merecedores de distinção nesta 30. edição, entre outras fascinantes ideias de cinema, o fôlego geracional de Aos Dezasseis, de Carlos Lobo, a dor profunda e inexprimível de Saturno, da dupla, Luís Costa e André Guiomar (cineasta de quem em breve veremos a primeira longa, A Nossa Terra, o Nosso Altar, um documentário de 2020, sobre a demolição do bairro do Aleixo, no Porto). Ainda também o cinema consistente de Sandro Aguilar, que dificilmente cabe já no formato de curta, e de que O Teu Peso em Ouro éum nítido exemplo. E ainda a atraente animação, aparentemente inofensiva e musicada Mónica Santos, em O Casaco Rosa,mas que esconde o trauma político.
Eis os candidatos da Selecção Portuguesa:
2.ª Pessoa, de Rita Barbosa
Aos Dezasseis, de Carlos Lobo
As Sacrificadas, de Aurélie Oliveira Pernet
Garrano, de David Doutel e Vasco Sá
Heitor Sem Nome, de Vasco Saltão
Ice Merchants, de João Gonzalez
O Casaco Rosa, de Mónica Santos
O Teu Peso em Ouro, de Sandro Aguillar
Pê, de Margarida Vila-Nova
Raticida, de João Niza Ribeiro
Saturno, de Luis Costa, André Guiomar
See You Later Space Island, de Alice dos Reis
Skola di Tarafe, de Sónia Vaz Borges, Filipa César
Uma Rapariga Imaterial, de André Godinho