Pedro Mourão-Ferreira: ‘Em Portugal o cinema continua demasiado agarrado ao passado e precisa de uma revolução de criatividade’
Pedro Mourão-Ferreira tem 28 anos e é um realizador português que se encontra actualmente a trabalhar em Londres. The Both of Us é a sua terceira curta-metragem e está neste momento em projecto de Kickstarter para terminar a fase de pós-produção e lançamento, que podem apoiar aqui: Kickstarter. Decidimos falar com o Pedro sobre este ambicioso projecto que retrata um ex-casal num café e uma conversa entre os dois sobre videojogos e nostalgia.
O que é The Both of Us?
The Both of Us é um projecto que começou em 2016. Depois de ter comprado uma Playstation 4 e ter jogado a trilogia Uncharted que acabou por sair remasterizada para essa consola, depois de jogar esses três jogos, principalmente o segundo, o meu favorito, fiquei com imensa vontade de falar com alguém sobre eles, sobre cenas tão cinematográficas nesses videojogos como a sequência do comboio ou do Nepal. Isso deu-me a ideia de criar uma história sobre duas personagens que se encontravam num café para falar de videojogos. Foi aí que nasceu a ideia base para o The Both of Us.
De que fala o filme?
O filme fala de uma female videogamer chamada Elaine que se encontra com o ex-namorado, Jake, num café. Aí recordam a relação que eles tinham falando sobre videojogos que jogavam em conjunto. Basicamente essa é a ideia central do filme.
A que tipo de público achas que o filme vai chegar?
Obviamente espero que chegue ao maior número de pessoas possível, mas como fala tanto da paixão por videojogos e da forma como os videojogos conseguem ter tanto impacto em alguém eu espero que a comunidade gaming consiga ter uma boa conexão com a temática.
Porque decidiste promover e lançar o filme online ao invés de tentar a sua estreia num festival de cinema através de um percurso mais convencional?
Por várias razões. Eu queria tentar fazer um filme e abordar o seu lançamento de forma diferente. Já fiz curtas no passado e tentei apresentá-las em festivais. Algumas consegui, outras não, faz parte da história do processo de afirmação de um realizador que está a entrar na indústria. Desta vez quis fazer diferente, até devido à tematica dos videojogos que está muito ligada ao online, achei que seria muito mais interessante colocar o filme online disponível para toda a gente ver e chegar ao maior número de pessoas possível e não apenas ao público restrito de um festival. Principalmente nesta fase, neste ano, quando existem ainda jogos Uncharted a sair ou remakes de alguns jogos que também são abordados no filme e que não queria ainda revelar, eu não queria perder este timing e achei que era melhor tentar apresentá-lo o mais depressa possível pela internet, espero eu ainda este ano.
É o primeiro filme que produzes e realizas fora de Portugal, em Londres, onde resides. Como foi esse processo, a escolha dos actores e da restante equipa?
Viver em Londres é engraçado porque aqui conheci muita gente que quer trabalhar no mundo do cinema e a mentalidade é muito diferente. Por exemplo, aqui as pessoas levam isto mesmo a sério, não digo que não o façam em Portugal, mas aqui tenho sentido uma grande diferença de profissionalismo pela forma com que se lida com as pessoas e se trabalha com elas, existe um maior compromisso. Além disso tem sempre que existir algum retorno financeiro por este tipo de trabalho, ou seja, mesmo que não tenhas muito dinheiro deve sempre existir um pagamento a acordar para as pessoas que trabalham no projecto, nem que seja simbólico. Só isso é o mínimo garantido de que existe um maior comprometimento com o trabalho em Londres. Essa é uma diferença enorme em Portugal, onde parece que os produtores querem que as pessoas envolvidas num determinado projecto cinematográfico trabalhem apenas por amor à camisola. Gastar dinheiro em equipamento, equipa técnica, actores, etc, teve que ser um trabalho muito mais sério, com castings planeados de antemão com a antecedência de meses. Trabalhei muito em conjunto com a directora de fotografia, Irene Emilson, que conheci cá e me ajudou a fazer o storyboard. Gostei muito de trabalhar com ela. Vai até ao fim do Mundo para conseguir aquilo que se pretende e tem uma brilhante visão da estética e da luz em cinema. Toda a experiência aqui em Londres foi completamente diferente. Pela primeira vez senti que era mesmo um realizador, ou seja, não estava apenas a fazer camera ou montar luzes, aqui o meu trabalho e foco principal foi o de dirigir os actores em cena. Para tudo o resto haveria alguém da equipa com função específica determinada e isso foi crucial para que o trabalho fosse feito com a melhor fluidez e profissionalismo. A Irene deu-me uma grande ajuda nisso, foi muito bom.
Pelo que podemos ver pelo teaser e imagens já divulgadas, The Both of Us aparenta ter uma forte aposta na cinematografia. O que nos podes dizer sobre isso?
Sempre que tento preparar um filme foco-me no aspecto visual, gosto muito de contar uma história visualmente. Obviamente que isso é cinema, mas esse trabalho é na minha opinião muito importante para desenvolver cada cena e personagens, para fazer chegar ao espectador a ideia do filme através dessa componente estética que o envolve. Aqui a camera é muito importante. Há situações em que o plano fixo é suficiente, mas há outras em que a camera em movimento consegue fazer com que o publico chegue mais perto das personagens e daquilo que elas estão a sentir, que se pode ilustrar através da cor ou da luz.
Não é a primeira vez que trabalhas com o Duarte Azevedo, um músico português também emigrado, mas em Berlim. Porquê esta escolha, como funciona a produção da banda sonora e qual a relação dos teus filmes com a música?
Eu conheço o Duarte desde os 15 anos. Ele sempre teve muito gosto e paixão pela música e sempre procurou muito esse mundo. Mais tarde aconteceu a oportunidade de finalmente trabalharmos em conjunto numa curta que realizei em 2012 salvo erro, Lisbon Rendezvous, e o Duarte fez uma composição fantástica para o filme. Desde aí sempre quis continuar a trabalhar com ele, acho que ele tem uma sensibilidade musical fora de série. No The Both of Us quis trabalhar com ele de uma forma ainda mais próxima e oportunamente ele veio a Londres dar um concerto com a banda rock que ele tem sediada em Berlim, Faunshead, e aproveitámos esse momento para trabalhar juntos durante alguns dias na banda sonora. Ele ia compondo temas para o filme que em conjunto íamos retocando até conseguirmos a banda sonora ideal. Nesse aspecto acho que foi a nossa melhor experiência.
Para quem está em Londres, o que pode esperar da estreia?
Eu não planeio fazer uma estreia em sala propriamente dita, mas gostava de fazer um evento de lançamento, uma premiére. Isso só irá acontecer se o Kickstarter do filme tiver sucesso. O filme ainda não está completamente finalizado e está a decorrer um projecto Kickstarter para terminar o seu financiamento. Este é o meu filme mais ambicioso até à data e por isso teve custos mais elevados. O Kickstarter foi a maneira que encontrámos para conseguir cumprir essa meta, e penso que em princípio iremos conseguir. A premiére acontecerá em Londres pouco tempo antes do filme ser lançado no Youtube, e esse sim é o principal foco.
Qual a tua experiência na realização? Fala-nos de alguns dos teus projectos anteriores.
Comecei a fazer curtas amadoras em 2008, mas só em 2011/2012 comecei a fazê-lo de forma mais profissional. A primeira foi o Lisbon Rendezvous, que realizei com pessoas próximas que deram tudo pelo projecto. Conseguimos fazer tudo no espaço de um mês, entre produção, filmagens e edição. 2 anos mais tarde procurei fazer uma curta mais psicológica, uma espécie de Taxi Driver meets Drive, com a componente psicológica do primeiro e a estética do segundo, e fizemos o que eu gosto de chamar de thriller psicológico, Silentium. Desde então não voltei a ter oportunidade de fazer novas curtas, só agora desde que vim para Londres e comecei a trabalhar em pós-produção é que voltei a ter a oportunidade de construir um novo projecto. Todas estas curtas foram produzidas pela Storylines.
O que é a Storylines?
A Storylines é uma produtora criada por mim e pelo Miguel Patrício e David Cachopo. Somos 3 amigos que se decidiram juntar nesta ambição que é fazer cinema. Trabalhámos sempre em conjunto no Lisbon Rendezvous e no Silentium, e apesar de eles estarem em Lisboa e o The Both of Us ter sido produzido e realizado em Londres com uma nova equipa, a Storylines também fez parte disso. Ambos me ajudaram muito com o argumento, que sempre foi o nosso principal foco de entreajuda, entre outros aspectos, por isso considero que este novo filme também é um projecto da Storylines.
Quais as tuas principais influências em cinema? De que forma as interligas com os teus filmes? Queres dar-nos alguns exemplos?
Depende. Cada curta que eu faço tem inspirações e influências completamente diferentes. No caso do The Both of Us a minha maior inspiração foi o visual de filmes como Drive ou das séries Stranger Things e Mr. Robot. Ambos têm algo em comum, todos são produtos com grandes referências aos 80s. Adoro a forma como actualmente se está a relembrar os 80s, e apesar do The Both of Us não ser um filme passado nos anos 80 procurei adoptar um pouco esse feel, tanto na forma como é filmado como na banda sonora. Procurei em termos de imagem o uso de cores vivas como o azul e o vermelho, procurei uma música mais synth invocando também essa época, entre outras coisas.
Sentes que o cinema é uma indústria saturada de ideias em 2017? A indústria tem espaço para tantas pessoas que procuram fazer filmes? Como funciona essa “competição”?
É uma boa pergunta. Acho que é muito complicado falar de cinema de uma forma geral, porque podemos estar a falar do cinema americano, japonês, italiano, etc, e todos eles são indústrias completamente diferentes umas das outras que não seguem as mesmas regras ou lógicas. Focando no cinema americano, que é a minha maior influência, acho que de facto existe uma grande indústria que faz muitos filmes do mesmo género, como o caso dos filmes de super heróis da Marvel ou da DC que tem muito público a ver. Acho que isso é uma coisa boa, porque consegue chegar a um público que cresceu nos anos 80 e 90 que gostava desses comics e queria talvez ser mais aceite socialmente nesse seu gosto. Acho que esses filmes, como também acontece com os filmes de Star Wars ou outros, estão a conseguir fazer isso e isso é bom, porque estão a massificar esse gosto que deixou de ser apenas de um grupo restrito de pessoas que talvez se sentissem embaraçadas por isso. A única coisa que eu gostava de ver, mas que até tem acontecido de certa maneira com filmes como o Logan, era que estes filmes procurassem ser mais artísticos, com maior cunho de autor, que não tivessem tanto medo de arriscar fazer algo diferente. Voltando à questão, não acho que a indústria esteja propriamente saturada de ideias. Sinto sim, é um enorme medo de arriscar mais. Ainda assim existem filmes como o Blade Runner 2049 que demonstram que há realizadores que conseguem arriscar mais. O Denis Villeneuve fez um grande trabalho com esta sequela, ainda por cima devido ao peso de estatuto de culto que o original acarreta.
O que pensas do cinema português actual? Achas que devia procurar uma direção mais comercial?
A única coisa que eu acho que o cinema português devia melhorar seria o facto de dever ter mais jovens a trabalhar e não se ter medo de os ir buscar e acreditar neles. Apesar de muita gente dizer que Portugal é um país pequeno de apenas 10 milhões de habitantes e que por isso não é possível existir uma indústria de cinema sustentável, eu acho que é. Poderia haver uma indústria em Portugal desde que exista um grupo de jovens de qualidade que tenha a coragem de tentar reformar o cinema português, apresentando ideias novas. Mas para isso os que já estão instalados na indústria precisam de lhes dar uma oportunidade. Parece que em Portugal o cinema continua demasiado agarrado ao passado e precisa de uma revolução de criatividade.
O que podemos esperar da tua carreira futura? Se realizasses uma longa metragem, que tipo de filme seria?
Curiosamente estou mesmo a planear que o meu próximo filme seja uma longa metragem. Já comecei a escrever o argumento e posso dizer que é um filme muito influenciado pelo cinema de animação japonesa. Gostava da próxima vez de fazer um filme mais slice of life, que representasse o dia a dia da adolescência de forma mais realista, algo que a animação japonesa faz muito bem.
Podem acompanhar tudo sobre The Both of Us na sua página de facebook